sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A maratona da Valquíria

Domingo.
Ariclênio  afundado no sofá, com aquele pijama que nem o mendigo aceitou, estava lendo no jornal a vergonha do seu time (" Perdeu de oito! Com o que eles ganham, até a tia Cotoca fazia um gol!"- pensava ele, inconformado)  quando viu Valquíria passar nua, com a pressa dos noivos em noite de núpcias, na direção do quarto de hóspedes.
Primeiro, pensou consigo: " Deve ser barata", e continuou a leitura, desta vez calculando a quantos anos seria condenado se matasse o time inteiro.
Repentinamente observou que havia silêncio e, em quarenta anos de casados, Valquíria nunca conseguiu abater um inseto sem os famosos gritos de: "morra, seu monstro, morra!", ou ainda " Hasta la vista baby", acompanhados de chineladas, vassouradas, inseticidas, bombas nucleares, enfim, o que Valquíria achasse pela frente.
O silêncio é acompanhado da corrida de retorno ao quarto do casal, com Valquíria carregando nas mãos os lápis de cor do neto.
Munido de uma curiosidade cafajeste, largou a vergonha do seu time sobre a mesa de centro e foi para o quarto do casal. Afinal de contas, pensou Ariclênio, a reputação da família estava em jogo: "E se algum vizinho visse aquilo". 
Pior:" Se filmasse e pusesse no You Tube".
Não! Antes fecharia as cortinas. Era mais prudente para evitar a "Maratona da Valquíria" espalhada no mundo.
Ao fechar as cortinas, para o azar dele, teve que cumprimentar dois vizinhos, de uma só vez, e foi tomado de pânico: "Será que os vizinhos estavam ali para ver a Valquíria? Será que ela já fazia isso há muito tempo e eu não sabia? Seriam seus amantes esperando um sinal?".  E o bom dia saiu ardido da sua boca.
Sentiu o corpo estremecer de ódio. A vergonha do time, a maratona da Valquíria, os vizinhos -muita coincidência!- passando naquele EXATO momento. Tudo fazia sentido!
Ouviu passinhos rápidos. 
Valquíria, peladona, correndo novamente para retornar com a caixa de giz de cera da neta.
Blam!  A "pelada" bateu a porta do quarto,  aquele de tantas noites de amor entre a " Ursinha" e o "Arizinho" (ai, esses apelidos ridículos, que só fazem sentido para o casal...).
Era demais para o seu coração com quatro pontes de safena. Passos firmes em direção ao palco da sua traição, iria tirar a situação a limpo. Ela teria que explicar tudo, tudinho mesmo, até a derrota do seu time!
Abriu a porta num sopetão e viu a cena impiedosa: Valquíria nua, diante do espelho, braços para cima e, embaixo de cada seio, os lápis de cor e os gizes de cera dos netos. Debulhava-se em lágrimas.  Aquele choro de alma, que faz uma pessoa ficar com o rosto esbofeteado.
"Cruzes, mulher!", arrepiou-se todo.
Ariclênio lembrou-se de Dona Esperança. 
Era criança, devia ter uns seis, sete anos de idade, quando a vizinhança, também num domingo, foi acordada pela sirene de uma ambulância. Àquela época, correu para a porta de casa, junto com os pais e seus dois irmãos -"Jesus! Além de ser domingo, também estava de pijama!"- e viu a cena: Dona Esperança, numa camisa de força, sendo carregada por dois homens imensos para dentro da ambulância. Gritava a plenos pulmões: "Sou Maria Antonieta! Sou Maria Antonieta!".
"Seria o caso de Valquíria, meu Deus?". 
Tremendo-se todo, como quem vê assombração, aproximou-se da esposa e bem baixinho perguntou se ela estava bem - Já repararam como tem gente que fala qualquer coisa em situações críticas? Vai a um enterro e pergunta para a viúva: " Como vai, Dona Fulana? Tudo bem?"
Subitamente o choro parou. Ariclênio sentiu que precisava de uma cueca limpa enquanto Valquíria, olhos flamejantes, sentenciou: EU EXIJO UMA PLÁSTICA!
"Claro, meu amor! Tudo que você quiser, querida!", tentando sair do quarto de mansinho. Valquíria o observou como quem observa uma presa e disse, aos berros: " Ariclênio, EU EXIJO UMA PLÁSTICA JÁ!".

" Mas, meu amorzinho, hoje é domingo. Amanh...", não conseguiu terminar a frase. Valquíria retirou o que havia embaixo dos seios, abaixou os braços e foi para perto do marido.

Ariclênio, bem mais alto que a esposa, sentiu-se um anão diante de tamanha decisão.

E, olhando nos olhos, a pobre mulher explicou que, como de costume, foi à padaria do seu Aníbal comprar o de sempre.  Passou no jornaleiro, pagou o jornal  e uma revista feminina.  Dessas bem cretinas que dizem " Saiba a dieta da atriz tal, que perdeu 10 quilos em dois dias!" .
Continuando-  ensinando testes para saber se você ainda estava sedutora. 
Valquíria fez todos eles e o último foi o do seio: "Coloque um lápis, sob o seio". 
Caso o lápis ficasse preso... O seio já era.
Achou então que entendera, mal, que deveriam ser VÁRIOS lápis. 
Todos ficaram presos.
Pensou: " Hoje em dia esses lápis são muito finos, ainda mais os de cor" (para acabarem mais rápido- criança, né?!) e pegou os de cera, mais parrudos, que também ficaram lá, terminando a frase novamente em prantos, com o Ariclênio acocorado, próximo à porta, sem entender nada.
Enfim, queria uma plástica nos seios, para implantar silicone. Lipo na barriga, culotes, pernas, braços e coxas, retirar as bolsas de gordura sob os olhos e dar uma "puxadinha" na papada.
Ariclênio, "sabiamente", com aquela psicologia que só os homens têm, retrucou: " Pô, Val! Você precisa é de uma centrífuga", soltando um risinho depois.
Pronto. Quebra pau, discussão e, no dia seguinte, o segundo carro do casal foi vendido para custear a "maratona".
Exames, operação em etapas, pós-operatório e o Ariclênio lá, amuado, vendo a mulher da sua vida se transformar em outra: "Tá toda roxa", dizia aos amigos que perguntavam.
Valquíria rejuvenesceu, criou alma nova. Começou a malhar, virou loura, exigiu empregada. Agora seria uma "outra mulher", dizia às amigas.
Claro que, de boba ela não tinha nada,  tratou de contratar uma empregada gorda, barriguda, peito caído e sem dois dentes: um em cima e o outro, embaixo.
Certo dia, quando Valquíria retornava da academia, ouviu sussuros e gemidos vindos do quarto da empregada.
"Eu a avisei que não admito homem aqui dentro.  Que vá a um Motel!"
Ao entrar, viu a cena que a estremeceu: Ariclênio nu, sobre a empregada (claro que nua), com os lápis e gizes dos netos sob os seios da coitada.
Valquíria perdeu o comando do corpo sarado e grudou na parede. No seu silêncio, nada entendeu. "Ariclênio, seu covarde! Eu passo por tudo isso para você me trair com ELA!" - um ar de desprezo na voz.
E Ariclênio, ofegante, lágrimas aos olhos, esclarece: " Val, meu amor, eu não traí você. Eu estou aqui porque tenho saudades de você. Para me lembrar de VOCÊ".
O Ministério da Cerejinha do Sundae adverte: Cuidado para que, na sua "maratona", você não deixe de ser VOCÊ.
Beijos mil.
Adri.

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