terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Papai Noel e o pedido inesperado

Era véspera de Natal e o nosso amado "bom velhinho" estava naquele desespero de noiva em véspera de casamento. O coitado havia se preparado o ano inteiro com um personal trainer para ficar em forma. Quero deixar claro que ele não se rendeu à opressão da mídia e ficou magrelo. Não mesmo!
Ele continuava rechonchudo, mas com excelente condicionamento físico. Confidenciou-me que chama de "maratona da sorte", porque rodar o mundo todinho com presentes os mais esdrúxulos não é brinquedo mesmo. Sem contar que a sua digna esposa, a "Mami Noel"- ela trocou o nome de "Mamãe" para apenas "Mami" depois de uma consulta ao numerólogo- enfim, fica entulhando os ouvidos do pobre com reclamações, porque desde que se casaram ele NUNCA passa o Natal com a família- "Só se preocupa com o trabalho"- repete incansavelmente a gordinha, que representa as queixas de todas nós.
Mas este ano o Papai Noel está, diria eu, encalacrado. Para quem desconhece o termo é o mesmo que ferrado, arruinado, acabado, embaralhado e todos os demais "ados" que possam lembrar.
Bom, no dia 24 partiu o "Santa" em direção às casas e apartamentos de todo o globo, levando consigo a "Noel Machine", uma espécie de super carro, com espaço infinito e muito, muito silencioso.
Ele deu uma aposentadoria às renas que com ele trabalharam anos a fio e elas decidiram passar os seus Natais com as famílias, geralmente em praias paradisíacas, postando fotos no facebook de enlouquecer a "Mami Noel".
Daí os seus ajudantes inventaram o tal veículo, ecológico- porque é movido a eletricidade- mas turbinaram o motor, já que o tempo é muito exíguo.
Quando tem que parar num condomínio, para não ser visto, utiliza-se de um spray de invisibilidade, em substituição ao pozinho mágico, do qual passou a ter alergia e tudo ficou nos conformes.
E  lá foi ele, em direção a todos os continentes, dirigindo o seu possante- sempre com cinto de segurança- e mandando ver na colocação dos presentes sob as árvores de Natal.
Sempre faz questão de dar um beijinho em cada criança, desejando que Deus a abençoe e come umas guloseimas que deixam nas mesas montadas. Podem ser simples, mas um copinho de leite e uns biscoitinhos ele sempre come, para não magoar os donos da casa que com tanto amor o recebem. Ruim mesmo é passar pelas chaminés depois de algumas paradas, porque a barriga começa a aumentar e então, muito habilidosamente, ele comprou essas cintas modeladoras para os casos mais emergenciais e prende a respiração, encolhendo a barriga e tchum, lá se vai ele como num tobogã, em direção ao...fogo!
Acalmem-se, meus amados leitores. Ele, o Noel, já tem prática e faz uma espécie de "virada olímpica" ao final da descida e, muito raramente, a "Mami" tem que reformar as calças do Noel.
Mas uma pessoa em especial estava perturbando o velhinho- a Mariana. Mari, para os íntimos.
Já repararam como todos os nomes, hoje em dia, podem ser resumidos a Dri, Lu, Dani, Su, Mel, Pati,
Carol e por aí vamos, para desespero da minha mãe: " Levamos nove meses pensando num nome, para ser transformado em uma sílaba". Mas, eu pessoalmente adoro, porque estreita as relações e torna tudo mais íntimo. Você não chega num desconhecido, por exemplo, a dona Fátima da padaria, e manda: "E aí, Fafá?! Beleza?! Me veja uns pãezinhos e um bolo de fubá."
Retornando à nossa história, a Mari se tornou um problemaço. Motivo: ela pediu TEMPO.
O Noelzinho estava em pânico há vários meses porque ele não é o senhor do tempo e presente, subentende-se, como alguma coisa, que ele possa transportar. Como não existia saída, o Papai Noel chegou à cobertura da Mariana, por volta das 23:00h e resolveu levar um papo:
" Psiu...Psiu... Mariana"
"quié... sai daqui Giovanni"
"Não é o seu namorado e fala baixinho que ele está vendo o especial de Natal na TV e eu não quero incomodar. Eu sou o Papai Noel"
" Tá bom. E eu sou a Marilyn Monroe", agarrando o travesseiro e retornando ao sono.
"Filha, acorda. A gente p-r-e-c-i-s-a conversar".
Aí a mulher se atentou para o fato de que era o próprio que estava sentado na beirada da sua cama e quando pensou em dar pulos de alegria acompanhados de gritinhos histéricos -daqueles que só nós mulheres sabemos dar- o sábio Noel lançou uma nuvem sobre ela- inventada pelos duendes- que a fez ficar, digamos, sóbria.
" Então, Mariana"
" Pode me chamar de Mari", com um sorriso de dar lacinho atrás da cabeça, mas beeeeeem mais calma.
" Pois é, Mari. Você me pediu TEMPO e isso tem sido motivo de muita insônia para mim. Sorte que sou produtivo e vou malhar, leio uns clássicos, vejo uma luta de MMA e, assim, acabo adormecendo por exaustão. Mas não consegui solucionar a questão."
" Olha só, Noel. Posso chamar assim, né?! É que a gente é super íntimo e eu escrevo cartas para você desde menininha. Aliás, sabe que é uma tremenda falta de educação não respondê-las?"
E o coitado do Papai Noel ficou corado, tentando explicar que o departamento de correspondência esteve em greve por melhoria nas condições de trabalho e coisa e tal e a Mariana prosseguiu:
" Tá bom, vamos lá. Eu tenho de tudo que o dinheiro pode comprar. Sou proprietária desta cobertura, tenho vários automóveis caríssimos e muito desejados, só frequento eventos VIPs, sou Madrinha da Bateria - não sabe nem sambar...- e tenho um alongamento nos cabelos de dar inveja", falando isso sacolejando as longas madeixas bem no rosto do velhinho, que começou a espirrar.
" Que foi?! Eu só uso shampoo importado, feito com lama. Ou seria feito pelo Dalai Lama? Ah, sei lá, mas é um must. E, mesmo com tudo isso, sinto-me vazia. Foi então que pensei: estou com esta sensação porque tenho seios miúdos. Mandei colocar duas próteses de silicone e turbinei os "gêmeos"- sacolejando os dois e, Papai Noel que é bonzinho mas é macho não se conteve e olhou aquele bailar como se hipnotizado estivesse.
" Posso tirar uma foto nossa e colocar no face? Tenho certeza que muita gente vai curtir e fica viral em menos de duas horas" e quando a Mari ia sacar do celular de última geração para registrar o encontro, o velhinho- recuperado a força e saindo da hipnose- lançou o aparelho na piscina.
" Menina, você não tem noção do perigo? Eu sou um dos símbolos do Natal e você vem com esta de postar no face? Se eu quisesse ser conhecido, virar celebridade, já poderia ter feito isto neste muitos anos de vocação, não é não?! Voltando à sua questão- já meio exasperado- eu não tenho como lhe dar TEMPO mas posso oferecer outros produtos. Abriu a sacola e prosseguiu; deixe-me ver... Achei!
Que tal uns aparelhos para montar uma academia aqui, na sua varanda. Já imaginou?! Malhando e olhando o mar"
"NÃO. Já tenho. Quero T-E-M-P-O".
"Talvez um cruzeiro para o Caribe, com direito a um acompanhante e..", antes que terminasse ouviu um não sonoro.
"Quem sabe, Mari, um vibrador novinho em folha que um galã de novelas me pediu? Hum? Eu posso dar a ele o cruzeiro e você fica com o vibrador?"
" IH? Tem certeza que você não é um picareta? E isso lá é coisa de Papai Noel?"
" Ah, as pessoas me pedem cada coisa... Pedem até TEMPO!" dardejando-a e soltando o famoso OH-OH-OH em seguida.
Ela não gostou muito, mas engoliu o sapo.
" Como ficamos? O trato é a gente pedir e o senhor atender. Tá parecendo banquinha de camelô! Só falta dizer que é tudo por $1,99"- ficaram quites e mulher irritada é isso aí. Cochilou o cachimbo cai.
" Seu problema não é TEMPO e sim o uso que faz dele. E como é precioso... Vou lhe dar o tempo que precisa e irá refletir sobre tudo o que tem feito." Estalando os dedos, ambos se tranpostaram para o meio do deserto, onde havia um oásis, uma tenda bem sortida e mais nada.
" Ficou doidão, Noel?!"
" Não. Estou dando o que pediu. Ficará aqui até o Novo ano surgir e voltarei para buscá-la."
"Há, há, há. Muito divertido... Vão achar que fui sequestrada e virão me procurar."
"Sinceramente, quem só compra não tem amigos e a sua falta nem será sentida", estalando os dedos e sumindo, num passe de mágica.
A mulher ficou fora de si. Arrancou a roupa, se jogou no lago, quebrou umas peças em porcelana- ai que pena...- e, vendo que o mundo não mudaria por sua vontade, sentou e chorou.
E ali foram dias de calor intenso, tendo que buscar água para beber, fazendo um pão com o que tinha e comendo frutas locais. À noite era pior, porque o vento açoitava a tenda, o que estremecia o corpo da mulher, sem ter com quem se abraçar. E as horas se arrastavam para, no dia seguinte, começar tudo novamente.Teve chance de apreciar o céu quando não havia tempestade de areia e descobriu a infinidade de estrelas que jamais poderia imaginar. Sentiu falta dos pais, do namorado Giovanni- que ela tratava como cachorro-, do cachorro "Dogão"- que ela tratava como filho, da comida da avó, já falecida e lembrou-se dos Natais da sua família. Não tinham muito dinheiro, era tudo muito simples, mas muito alegre e cheio de amor.
Certa vez, Mariana pediu ao avô uma bicicleta de Natal. Por ser muito cara, ele deu o que pode e foi G E N I A L: carpinteiro, construiu um teatro de fantoches e reuniu a meninada que se divertiu a valer e ela sequer se lembrava da bicicleta que havia pedido. O avô a transportou para a fantasia, coisa que a bicicleta não teria o poder de fazer.
Anunciando o Ano Novo, o Noel voltou para cumprir o prometido, claro que depois de muitas concessões à Radio Patroa do Pólo Norte.
Encontrou uma mulher flambada pelo sol, sem os apliques no cabelo e com um rosto em paz.
"Então, filha? Vamos voltar?"
"Não sei... Estou bem aqui."
"Nada disso. Era apenas por uma semana, como um SPA. No seu caso, cerebral" soltando o OH-OH-OH peculiar.
Ela não riu nem redarguiu. Ficou serena e questionou se alguém notou a sua ausência.
O velhinho rodeou, rodeou, foi educado mas a resposta era negativa.
Mariana chorou. Enquanto no sofrimento lembrou-se de todos, não fora lembrada por ninguém.
"Menina. Você me propôs a pior provação e eu dei à você a chance de entender o que é o tempo. Você aprendeu, tanto que lamenta o amor não sentido, o esquecimento. Volte e utilize o tempo que terá para recomeçar, assim como o ano que se anuncia."
E assim foi feito, num estalar dedos, Mari estava na sua cobertura de frente ao mar, deitada na cama King Size, ao lado do Giovanni:
"Oi, amor. Senti sua falta".
A mulher ficou animada e perguntou:
"Foi mesmo?! Eu também, eu te amo, não vivo sem você e..." antes que terminasse a verborragia, ele acrescentou:
"Da próxima vez que for ao banheiro, fecha a porta que a luz me acorda, amor", voltando a dormir profundamente.
E ela ficou ali, pensando em quanto tempo levará para reconquistar o que, realmente, faz da nossa vida única e exclusiva. Uma vida VIP.
Desejando um Feliz Natal a toda a família "Cerejinha do Sundae" que só faz aumentar- Graças a Deus!- e a todas as pessoas dos países que me prestigiam, lendo os meus contos:
Brasil, Estados Unidos, Rússia, Alemanha, França, Hungria, Portugal, Colômbia, Itália, Bélgica, Japão, Noruega, Dinamarca, China, Reino Unido, Argentina, Macedônia, Peru, Malásia, República Dominicana, Austrália, Holanda, Guiana Francesa, Irlanda, Sérvia, Polônia, Ucrânia (Boa sorte), Angola, Espanha, Turquia Casaquistão, Belarus, Indonésia e Romênia, todos elencados por ordem de adesão.
Espero que se lembrem de utilizar o "tempo" como um aliado. Uma TV de última geração é ótima, mas os braços de quem nos ama são muuuuuuito melhores.
Que 2014 seja um ano de paz e realizações, magnetismo positivo e pensamentos realizadores dos potenciais benéficos contidos em todos nós.
Amo vocês!
Beijos,
Adriana Andollini.



segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Onde está a felicidade?

Ele nasceu numa sexta-feira. Treze de um mês qualquer.
Digo "qualquer" porque ele fora marcado. Não pela má sorte, como alguns, inadvertidamente, podem intuir, mas pela vida em si que tem a capacidade e a perversão de mil bruxas vindas do além.
Filho de família rica, foi o caçula que quase, por um triz, levou a mãe ao túmulo e, se não bastassem os demais acontecimentos, já justificaria o horror que o pai dedicou ao menino. Dizem que não chorou. Sofreu várias palmadas sem dar um único lamento. Sua alma imortal já pressentia o que a vida lhe reservaria dali por diante.
Foi criado pelas babás, sempre apartado da mãe que jamais o alimentou. Aos cinco anos teve uma queda de tal  monta que os médicos, na época, desenganaram os pais que suspiraram. De alívio.
Mas a vida é persistente e o menino sobreviveu na banalidade da sua existência, pedindo passagem às sombras e licença ao ar para poder existir.
Sonhava em ser astronauta e todos riam dele. Mal conseguia falar- como sequela do acidente- e ouvia muito pouco. O seu universo era imenso, rodeado de ideias que jamais seriam reveladas. Fechou-se ao mundo e criou um somente para si, com amigos e uma mãe afetuosa imaginários, que todas as noites o colocava para dormir, cantando-lhe músicas de ninar enquanto que a sua verdadeira mãe recebia nos salões, apresentando os demais filhos e, quando questionada, dizia que o caçula encontrava-se indisposto.
Nem mesmo as babás o apreciavam ou se dedicavam a ele. Apenas a cozinheira, que trabalhava como uma escrava para atender os caprichos da senhora, no pouco tempo que lhe sobrava, dava-lhe o regaço dos seios para que o menino descansasse, sentava-lhe ao colo e contava histórias dos antepassados escravos e como eles sofriam. Ensinava ao menino que o sofrimento existe há muito tempo e que o mundo não é só festa e brilho. Mesmo dentre os belos e nobres há um lado obscuro e triste, abafado pelos sons das taças com champanhe e o farfalhar dos vestidos das damas.
Numa manhã de 13 de maio a casa acorda em alvoroço. A cozinheira foi encontrada morta, caída sobre as batatas que descascava para o almoço. O menino foi ao seu primeiro enterro e não verteu uma lágrima sequer. Todos o criticavam novamente. Afinal, ele sempre fora "estranho" e não chorar num enterro- ainda mais de uma mulher que o amou tanto- era bem típico do esquisito menino.
O que ninguém sabia era que, dentro daquele coração, ele percebeu que Joana- era esse o nome da cozinheira- estava livre! Iria para os braços de Deus- ela o falara sobre um Deus bom e alegre, que queria toda a gente feliz- e não precisaria mais dormir somente duas horas por noite e aturar as ofensas da sua mãe.
Olhou para o céu azul, sem uma pontinha de nuvem e sorriu. Sorriu para Joana, a sua única amiga de carne e osso, que agora seria realmente feliz e livre.
Por incrível que pareça a caprichosa senhora e "mãe" do menino se exasperou com a morte da cozinheira. Havia convidado pessoas importantes para um jantar daí a dois dias e, nas palavras da própria "isso lá era hora para morrer?, oras." Pessoa virtuosa e sensível, não?!
Enfim, o menino retornou à casa acompanhado da família e confinou-se no quarto, como de costume.
Pegou caneta e papel- escolheu o de linho, branco- e pôs-se a escrever uma carta:
" Querida Joana.
Sei que você, boazinha do jeito que é, já está com o Deus do qual me falou. Aquele homem bonzinho que ajudou muitas pessoas e ficou na cruz. A parte da cruz eu ainda não entendi, mas sei que ele é justo e você, com certeza, já está no colo dele. Assim como fazia comigo.
Fico triste porque perdi você, minha única amiga. Mas fico feliz porque você merecia uma vida melhor do que a desta casa e o Deus de que me falou vai lhe dar tudo, tudinho que merece. Espero que encontre os seus familiares e se encontrar alguém aí que goste de mim, mande um beijo meu.
Bem, vou me despedindo com um pedido, se puder me atender: quando tiver um tempo e quiser, me leve para o seu Deus. Gostaria de conhecê-lo como você sempre o conheceu. Será que Ele iria se incomodar porque não consigo falar direito e mal ouço? Acho que não, porque você me contou que Ele ajudou uma moça que ia ser apedrejada porque não gostavam dela, não foi?!
Beijos saudosos e até breve.
Ulisses."
Os anos se passaram e Joana não veio buscar o menino, agora já um homem. Havia se tornado alto, magro e fora de esquadro. E o problema da fala foi deixado inerte pelos pais, apesar das possibilidades imensas de tratamento.
Foi ficando na casa enquanto os irmãos foram estudar fora do país, cada qual desenvolvendo os seus potenciais e se tornando o orgulho da raça. Os pais envelheciam sem sabedoria e puseram Ulisses para cuidar dos jardins da mansão, porque assim ele "teria alguma serventia".
Ulisses não reclamava. Não sentia em si o direito de viver e, de alguma forma, estar longe de todos se tornou uma terapia, um alento. E as flores e plantas do jardim entendiam os seus pensamentos e não o recriminavam pelas suas deficiências.
E que mãos tinha o Ulisses! O jardim tornou-se motivo de comentários no bairro, posteriormente no estado e virou matéria de televisão e revista.
Claro que Ulisses não poderia aparecer: os créditos ficavam com a mãe caprichosa, que adorava os holofotes e dizia ter um pedaço "do seu coração" em cada flor plantada.
Ulisses ria consigo mesmo. Coração...
Mas ficava feliz porque sabia ser obra sua e, nesta vida, ao menos uma obra sua aparecia para todos e PERFEITA. Suas imperfeições não passaram para as plantas ou flores e fizera algo que merecia elogios. Olhou para o céu, tão azul quanto no dia do falecimento de Joana e deu uma piscadela, como parceiros e cúmplices de longa data se cumprimentam pelo sucesso.
Certa vez uma menina, de uns quatro anos de idade e com problemas neurológicos, fugiu ao controle dos pais e foi atraída ao jardim. Com suas pequenas mãozinhas afagou suavemente cada flor colorida.
Inclinou o corpinho para sentir o odor de cada uma e roçou, bem de levinho, as bochechas rosadas em cada uma delas.
Ulisses observava a tudo como quem vê o passado retornando. Viu-se na menina solitária e inadequada ao padrões sociais, a fragilidade e a beleza que existe naquela diferença sensível.
Pela primeira vez em sua existência, chorou. Porque entendia o que a vida reservava àquela criança e talvez ela não tivesse uma Joana e, no futuro, um jardim para cuidar.
Dirigiu-se à menina e, sem qualquer palavra, os dois se entenderam. Pegou a flor mais bela e perfumada e entregou à menininha, que sorriu e correu para fora do jardim. Neste instante os pais da criança chegaram assustados com a fuga da menina e, quando viram a figura de Ulisses, o susto transformou-se em horror, acreditando em que espécies de coisa ele pretenderia com ela. Obrigaram-na a jogar fora a flor e o pai avisou que se ele se aproximasse novamente da filha, o mataria.
Ulisses ainda tentou balbuciar algumas palavras, mas foi em vão. Vieram seus pais, pediram inúmeras desculpas e disseram que era apenas o jardineiro e que ele seria repreendido e só não o demitiriam porque era doente e não teria como viver.
Ulisses, pasmo com aquelas palavras, caiu sobre os joelhos e chorou pela segunda vez.
" O senhor vê? Ele já se arrependeu do que fez", dizia a mãe para o pai da menina.
Quando o casal se retirou a uma distância segura, Ulisses ouviu os pais falarem, mesmo tendo problemas de audição, e percebeu que estavam acreditando que algo de horrível acontecera naquele jardim. Sem forças e sem defesa, já que desde o nascimento fora condenado à culpa perpétua, o homem alquebrado se retirou, com passos lentos, o corpo curvado, os olhos rasos de lágrimas.
Os dias se passaram e o clima refletiu a dor do pobre homem. Jamais chovera tanto antes.
Ele ficou recluso no seu quarto, olhando o jardim à distância e se alimentando muito pouco, quase sem se levantar do leito.
Quando o sol voltou a raiar, o jardim criou cores indescritíveis: o verde ficou mais verde, toda a sorte de cores em flores nem plantadas e borboletas. Sim!, borboletas multicoloridas a visitar o belo lugar.
Ulisses redespertou como o seu jardim e tornou a trabalhar nele, como quem cuida de uma obra de arte.
A menina veio se esgueirando e ficou por ali, ajudando com umas sementes, olhando as borboletas e rindo de tudo ao seu redor. Era como se aquele mundo a compreendesse e nele ela fosse livre.
Ulisses deixava e se divertia com a felicidade daquela menina, tão inadequada quanto ele.
Mas, um certo dia, enquanto cuidava do jardim recebeu uma pancada na cabeça e caiu ao chão. Com os olhos turvos e a mente embotada, olhou para o rosto do seu agressor e percebeu ser o pai da menininha. Este bradava: "eu avisei para não se aproximar dela, seu devasso insano!", continuando a dar-lhe com o porrete na cabeça e Ulisses a se esgueirar para o canteiro de margaridas.
O sangue manchou as belas e frágeis pétalas brancas e ele ali ficou, estirado e quase sem vida.
A mãe correu até ele, em desespero pela repercussão que o caso teria. Encontrou o filho olhando para o céu, azul como no dia da morte de Joana. Ele balbuciava algo, que a mãe não compreendia.
A menininha decifrou o enigma, falando com igual dificuldade: "você demorou a responder, Joana, mas obrigada por ter vindo".
Beijos mil,
Adri.


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Carolina da praia

Carolina era uma jovem com dezoito anos de praia, nos idos de 1960. Seus olhos azuis confundiam-se com o mar de uma das mais celebradas praias do país e era visceralmente apaixonada por Edgard.
Neste ponto, em que meus personagens estão apresentados, faço um lembrete: leiam as próximas linhas como uma viagem no tempo, onde o amor era dançado ao som do recém surgido Rock and Roll, com Elvis Presley tocando a sua guitarra num rebolado censurado pelos pais conservadores.
Carolina- e nunca, Carol, como hoje- amava as novidades e a efervescência cultural de sua época.
Fez greve de fome para poder usar biquini e convencer o pai, General linha dura, a permitir, nas palavras dele, "aquela devassidão". Conseguiu.
E Edgard era o ponto alto do seu frenesi. Andava com sua lambreta e jaqueta de couro, topete ao vento sem jamais sair do lugar- usava gomalina e ficava duas horas diante do espelho para que o cabelo tomasse a proporção desejada, e estudava num colégio de segunda.
Carolina não. Ela era aluna de um tradicional colégio para moças- adoro esta terminologia!- em que se aprendia o francês e outras coisas "úteis", como receber embaixadores para um jantar- e falava alemão fluente, sendo neta de alemães.
Ou seja, a famosa teoria de que "os opostos se atraem".
E Carolina passava elegante pelas ruas do bairro e diminuía o passo para que Edgard a visse. Esperava que ele a propusesse namoro- antes das risadas, lembrem-se da época, hein?!- e fazia o possível para ser notada.
Até que, num sábado à tarde, Carolina e Edgard se encontraram num olhar inevitável. Pegaram juntos o cardápio de sundaes e milk-shakes e ambos o soltaram:
"Pode escolher, eu aguardo", complementando a frase com um sorriso malicioso.
Nem preciso salientar que a jovem derreteu-se toda como um sorvete ao sol de meio-dia e correspondeu com um sorriso encabulado, abaixando os olhos constrangida.
Não que ela desejasse fazer isso, não. Mas uma moça de família TINHA que se portar daquele jeito, para ser "respeitada".
A partir daquele sábado e em todos os finais de semana daquele verão, Carolina e Edgard foram vistos juntos, seja na praia, no clube, na matinê do cinema ou na sorveteria, point da época.
A menina resolveu andar na lambreta, usar óculos "gatinha" e, ao sentir frio, Edgard emprestava a sua jaqueta para Carolina, que a cheirava como cão perdigueiro, como se quisesse guardar só para si aqueles momentos.
Numa noite, ao final do verão, Edgard pulou o muro da casa de Carolina e deu umas batidinhas na janela do quarto da moça.
Meio sonolenta, atendeu e levou um susto, fechando a frente do pegnoir:
"Edgard! Você enlouqueceu?"
" Enlouqueci de amor, Carolina. Venha comigo."
" Agora?! Meu pai nos mata, me deserda, mata minha mãe e meu cachorro", não necessariamente nesta ordem.
"Você me ama ou não?"
"Amo! Mas você tem que vir aqui, falar com o meu pai, pedir para namorar..."
"Ah, Carolina, pensei que você fosse diferente dessas meninas provincianas...", retirando-se lentamente pelo jardim.
" Psiu! Volta aqui. Eu vou" e pulou a janela, com camisola, pegnoir e chinelinho de saltinho ao encontro de Edgard, que já ia mais adiante.
E, nas dunas da praia- antes de existirem os arranha-céus, a moça deu tudo de si para o homem que amava, tendo como única testemunha a lua cheia.
Ao retornar à casa, sentiu o desespero tomar conta de sua alma. Já não era mais virgem e o pai surtaria ao saber disso. Mas, pensando bem e como disse o Edgard, "quem precisaria saber".
Passados alguns dias, a campainha toca e a mãe da moça avisa à família que o rapaz estava lá, com uma certa estranheza pois, apesar de vizinhos, as famílias nunca foram amigas.
Carolina colocou umas gotas de perfume atrás das orelhas e foi para a sala de estar, simulando um ar de surpresa. Por dentro, pensava em pedido de noivado, anel de diamante no dedo e uma festa de arromba no casamento.
A empregada abriu a porta e o rapaz entrou:
" Boa tarde. Desculpem-me a visita sem aviso..."
"Não por isso.", respondeu o General.
"Mas eu precisava fazer um anúncio"- "É agora", pensou Carolina"
"Faça, meu jovem."
" Posso pedir para uma pessoa entrar?"
"Claro que sim, mas vamos logo ao que interessa", respondeu o General quase declarando guerra ao rapaz com jaqueta de couro, que "invadira" a sua casa.
"Maria Luíza, venha", entrando em cena uma moça simples, num vestido floral com dois lacinhos nos ombros, com os olhos apontados para o chão e um sorriso tímido estampado no rosto.
Carolina empalideceu ao ponto da mãe perceber e acusar o calor que ainda era intenso, naquele final de verão.
Prosseguiu Edgard- "É que nós vamos nos casar e gostaríamos de entregar o convite. Será muito simples, porque a Maria Luíza é minha prima e veio do interior, passar o verão aqui e decidimos não adiar mais. Será na capelinha do bairro. Conto com a presença de vocês.", dando um olhar de adeus para Carolina.
Neste ponto, o rosto da jovem já tinha assumido todas as cores do arco-íris. Olhava para Edgard sem nada compreender, mas manteve a fleuma, para não se comprometer ainda mais.
Na data marcada, toda a família compareceu à cerimônia e foram à festa. Tudo muito simples e de bom gosto, exceto Carolina, que resolveu por um vestido preto.
" Cruzes, filha. De preto, num casamento?!"
" Soube que está na moda, na Europa". Ninguém estranhou, já que Carolina era dada à essas coisas de "moda".
Os anos se passaram e Edgard nunca mais foi visto. Após o casamento, mudou-se para o interior com a esposa e, os amigos de outrora, comentavam que havia se tornado bancário.
Carolina fechou-se para o amor e nunca mais quis saber de nenhum romance. Tornou-se uma psicóloga bem sucedida e lançou livros de auto-ajuda.
Já nos dias atuais, Carolina e Edgard se encontraram nas areias da praia, agora cercada por prédios de luxo, onde as dunas só existem na memória de quem as viu:
" Carolina?!"
Edgard era um senhor da terceira idade, sentado à beira de um quiosque, bebendo água de côco.
" Como?!"
" É! Você é a Carolina! Meu Deus, quantos anos!"
" Ah... O senhor conheceu a minha prima. Morou aqui, há muitos anos, sim."
" Nossa! Mas vocês se parecem... E têm os mesmos olhos azuis"
" Genética. Mas a Carolina morreu.", sentenciou a própria Carolina ao Edgard.
" Morreu? Quando? Como?"
" Logo após o casamento de um tal de Edgard.", mantendo-se firme no personagem de prima.
" Mas Edgard sou eu!"
" Ah... Ela escreveu um bilhete, dizendo que, se for o senhor, era um crápula, mesquinho, enganador, enfim, um homem de última. Um rato!"
" Meu Deus? Foi suicídio?"
" Não. HOMICÍDIO!", dizendo isso diante de um homem petrificado, Carolina despediu-se e caminhou em direção ao por-do-sol.
Beijos,
Adri.





segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Alfredus Claudius

Nasceu à meia-noite.
Chegou à vida num hospital público, filho de pais muito, mas muito pobres. Aquele tipo de pobreza que é maior que a ausência de dinheiro: é a ausência de esperança.
Chorou como se sua alma se ressentisse do que a vida, provavelmente, lhe reservaria e foi confortado no peito da mãe, que o aqueceu e o silenciou.
O pai tinha uma única certeza: seu filho seria ALGUÉM!
Mas como poderia ser respeitado se era oriundo de uma tamanha miséria agindo como vírus, a destruir tudo o que via em sua frente.
" Sim. Não temos um sobrenome de estirpe mas posso dar ao meu filho o nome que lhe abrirá as portas do sucesso: Alfredus Claudius".
Certa vez ouvira um homem falar sobre os jurisconsultos romanos e observou que muitos dos nomes eram terminados em "us".
Como a mulher decidira por Alfredo Cláudio, em homenagem aos avós de ambos os lados, o pai do menino selou o seu destino transformando o nome em algo, como passou a narrar insistentemente:
"início da riqueza".
O pobre menino cresceu entre uma sopa rala e uma cama com estrado quebrado. Raquítico, pálido, quando iniciou o período da alfabetização foi estudar numa escola pública, perto de casa, com ensino deficitário e professores mal pagos.
A vida de estudante era um inferno. Não era bom em nenhuma disciplina- conseguia ser apenas sofrível e, mesmo assim, após horas de dedicação- e, dia sim o outro também, apanhava de um valentão, o Robertão, menino bem nutrido e pleno de si.
Alfredus Claudius jamais se queixou em casa, porque via o sofrimento dos pais diante de problemas maiores e considerava, os seus, tão pequenos que não mereciam considerações.
Quando a mãe perguntava o que eram os hematomas nas pernas, braços ou rosto, alegava que foram feitos no futebol e que a posição de goleiro era assim, meio ingrata. Como não entendia nada de futebol, olhava para o marido que assentia com a cabeça e assim findavam as indagações.
Os anos passaram lentamente- quando se sofre, eles sempre têm a velocidade de um cágado!- e Alfredus Claudius fazia contagem regressiva para acabar com os estudos básicos.
Enfim aconteceu a separação de Robertão e a vida se encarregou de soprar os rastros de ambos em posições opostas.
Conforme o pai previu, Alfredus Claudius conseguiu ser ALGUÉM- bom, para mim ele sempre foi ALGUÉM...
Num lance de sorte, o já não mais menino inventou um componente eletrônico muito simples e, ao mesmo tempo, sofisticado que foi amplamente aceito pelo mercado de informática.
Ficou rico! Rico não. Milionário, com todos os cifrões a que tinha direito.
Ajudou os pais, viajou o mundo a negócios e a lazer, comeu tudo o que nunca teve direito de sonhar, dormiu em travesseiros recheados com plumas de ganso em camas King Size, nos mais sofisticados hotéis do mundo.
Teve tudo o que dinheiro poderia comprar, até amor falso.
Certa vez, numa festa realizada por uma das empresas da sua holding, com todos os executivos e vips presentes viu entrar uma ruiva espetacular, à la Rita Hayworth  no célebre filme "Gilda", num vestido que parecia costurado sobre o corpo, de tão justo. Era exuberante e contida, sem um pingo de vulgaridade em cada meneio de seus fartos cabelos. Veio acompanhada de um poderoso homem do ramo hoteleiro, com o rosto repleto de rugas e um charuto ao canto da boca- apagado.
Todos os olhares se voltaram para a mulher e Alfredus Claudius foi ao encontro do casal para recepcioná-los. Na verdade queria obter informações sobre o relacionamento dos dois. Ficou realmente impressionado e a desejava, com todas as suas células.
" Prazer. Sou Alfredus Claudius, o seu anfitrião", tomando a mão da mulher num movimento de beijo cerimonioso.
A mulher empalideceu a tal ponto que o seu acompanhante perguntou se ela estaria passando mal.
" Não, obrigada pela atenção, querido. Foi apenas uma queda de pressão. Estou numa dieta rígida para caber neste vestido", dando um leve sorriso, sem que isso retirasse de si a inconstância.
Alfredus Claudius desconfiou que teria sido a sua própria presença a causadora do desconforto. Havia sido recíproco o impacto e a ruiva o desejara também.
"Dr. Mason, a sua acompanhante ainda não me foi apresentada".
"Claro, peço-lhe mil desculpas. É que Victória tem sempre ótima saúde e disposição e fiquei realmente aflito. Victória, este é o nosso maior colaborador, Dr. Alfredus Claudius".
"Sem o doutor, por favor. Fiz somente o curso técnico e nem cheguei perto de qualquer universidade", voltando os olhos na direção da ruiva, que insistia em desviar deles.
A noite transcorreu impecável, banquete, orquestra, decoração e os salões lotados de gente bela e próspera. E Alfredus Claudius numa caçada impiedosa à Victória.
" Preciso lhe falar", dizia sorrateiro a cada leve esbarrar.
" Não. Estou acompanhada."
" Marido?"
"Não".
"Depois?"
"Não", aumentando a tensão dentro da mulher a um ponto que pediu para se retirar, sendo acompanhada pelo homem que a trouxe.
"Lamentamos deixar tão bela festa de maneira tão abrupta mas, inexplicavelmente, meu "bijou" está indisposta", cumprimentando o anfitrião que, apressadamente tomou as mãos da mulher entre as dele e as beijou, inadvertidamente, nas palmas.
Pausa. Viu um sinal em forma de coração na palma da mão esquerda de Victória e as soltou lentamente.
Olharam-se fixamente e foram centésimos de segundo que pareceram horas.
Alfredus Claudius despediu-se protocolarmente.
O casal saiu sem maiores delongas e a ruiva deixou cair, no seu desespero em deixar o recinto, um dos seus brincos, em esmeraldas colombianas, tão verdes quanto os olhos de Victória.
Quando Alfredus percebeu correu atrás do casal e travou o braço da mulher quando ela estava entrando no carro. O motorista pensou em intervir mas o homem que a acompanhava assinalou com os olhos que não.
" Perdeu o seu brinco, madame", num tom de desafio.
" Não faça um escândalo, por favor."
" Realmente você não me conhece mesmo. Eu a aguardo amanhã, no meu escritório, às nove em ponto", dizendo isto, deu boa noite ao homem e ao seu motorista e retornou à festa com passos decididos.
No dia seguinte o encontro se deu no horário sentenciado por Alfredus Claudius.
" Sente-se, Victória. Não é esse o seu nome?"
" Estou bem em pé."
" É uma ordem."
E a ruiva sentou-se, cruzando lentamente as pernas ornadas por meias negras transparentes.
" Então, como isso se deu?"
" Você quer me humilhar? Já conseguiu. O que lhe falta mais? Um escândalo? Sou bem conceituada como acompanhante de executivos e você pretende destruir o que levei anos para conseguir".
" Imagino, Robertão. Devem ter sido anos mesmo. Cabelos, busto, quadris e até a voz! Deve ter sido caríssimo, se bem me lembro como você era."
"Tive muita ajuda de um senhor meu amigo. Ambos mudamos muito, se bem me lembro como você era".
"Sarcástico?! Este talento eu desconhecia."
"E como ficamos? É alguma extorsão? Você não precisa disso."
"Não. Eu a quero. Com exclusividade."
E hoje, aquelas mãos que tanto surraram o raquítico menino, acariciam os cabelos recém grisalhos do poderoso Alfredus Claudius.
Beijos mil,
Adri.


segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Deu tudo errado?

Sofia olhou para si e realmente estava deslumbrante no vestido de noiva. Observou por alguns instantes a própria imagem refletida no espelho: linda! Não que fosse linda de fato mas, naquele dia, estava i-l-u-m-i-n-a-d-a!
Continha dentro do seu peito todo um universo de emoções que oscilavam do pânico ao êxtase total. Era o dia do seu casamento e esperou uma vida por ele. Desde muito menina, quando perguntavam o que queria ser quando crescesse, respondia em tom solene: "casada".
Demorou mais do que poderia prever, mas não o suficiente para subir as escadarias da igreja de Santo Antônio sobre os joelhos.
Possuía a pele com o frescor da juventude e os cabelos castanhos ainda reluziam naturalmente.
O pai ostentando um belo traje, trazendo à lapela um cravo branco, deu o seguinte consellho:
"Filha. O casamento é uma aventura na selva. Seja feliz", dando-lhe um beijo na testa e saindo em seguida.
Sofia ficou meio atordoada com aquelas palavras- "ele estaria feliz?, desejando tudo de melhor?"- enfim, sem conseguir se fixar em nada além de si mesma, deixou as divagações saírem pela janela aberta com a brisa que invadiu o quarto.
Olhou para cada objeto e deu um adeus simbólico, pois o seu quarto de solteira não mais a pertenceria. Abriu a caixinha de música, pôs a bailarina ao centro e ficou ali, absorta naqueles pensamentos de uma vida vivida e que se vai. Foi despertada deste torpor pela mãe que bateu à porta e avisou que o carro já a aguardava.
"Já vou!", movimentando-se com pressa e colocando um sorriso nos lábios. Bastava pegar o buquê e ir... "Ué... Cadê o buquê?"
"Mãe!Mãe!MÃE!", descendo as escadas com uma sofreguidão por água no meio do deserto- "A floricultura entregou o buquê?"
"Eu não vi, meu amor, mas deve estar em algum lugar e...", antes que a mãe terminasse Sofia já havia dispensado os sapatos dos pés e estava à procura do buquê pela casa. Olhou até dentro da geladeira, caso algum distraído o tivesse recebido. E nada.
"PAREM TODOS IMEDIATAMENTE! Quem viu o meu buquê?"
Silêncio geral e olha que a casa estava com a lotação esgotada. Eram madrinha de batismo, crisma, irmãs- com seus namorados- os pajens e as damas (acompanhados dos pais) e ninguém havia recebido o buquê ou percebido a sua ausência.
Bom, foi um corre-corre, um abre e fecha de gaveta, um procura daqui e de lá e nada do buquê.
"Vamos ligar para a floricultura, ora!", disse o pajem, no auge dos seus sete anos, enquanto limpava a mão no paletó, do brigadeiro que surrupiou.
Chamou, chamou e ninguém atendia.
"Já devem ter fechado."
A noiva começa a fazer beicinho de choro até que uma alma salvadora, a sábia tia Cotoca, teve a brilhante ideia de substituir as flores pelo terço de cristal, na família há várias gerações.
Pronto, tudo resolvido. Era só por os sapatos e irem para a igreja.
Sofia percebeu que, nessa empreitada de procura, perdera os sapatos de vista.
"ALÔ! ALGUÉM VIU OS MEUS SAPATOS?"
Eram especiais, forrados com o mesmo tecido do vestido e com um ornamento caprichoso na parte de cima, para que ao andar fossem observados. Tudo pensado meses antes.
"Bom, você os soltou na sala, quando procurava o buquê", elucidou a sábia Cotoca.
E foi o corre-corre de antes, sendo que a procura era diversa.
Caros leitores, neste estado de coisas, as crianças que formavam o cortejo já haviam se apresentado, virado amigas, assaltado as bandejas de doces e brincavam de pega-pega.
"Aqui! Achei!", disse a irmã mais nova, Beatriz, que segredou para a amiga-"quem acha sapato de noiva é a próxima a casar!"
"Quem falou?!", contestou a amiga.
"Eu sinto isso."
"A gente só tem quatorze anos, Bia".
"Mas vou casar primeiro que você!", mostrando a língua num ato de extrema maturidade.
Sofia resgatou os sapatos e os calçou, como se fossem os da Cinderela indo ao grande baile.
Sentada, tomou um fôlego para se recompor e, ao se levantar percebeu um rasgo na meia.
"Valha-me Deus!" e sem delongas, retirou o par e decidiu ir sem meias, para evitar um acidente a mais.
Pronto. Tudo encerrado, as crianças já haviam sido capturadas e limpas- na medida do possível...- e agora sim, iam em direção aos carros quando alguém deu o alerta:
"Xiii! O vestido da noiva está rasgado!"
Sofia olhou para baixo, para os lados e nada errado.
"Onde?"
E a mãe foi, coitadinha, o carrasco da situaação:
"Filha, mantenha a calma. Acontece nas melhores famílias. Dia de casamento sempre tem situações inusitadas, que após muitos anos viram motivos de gargalhadas nos almoços de família e...", antes que terminasse com o calmante cerebral, a filha - histérica- repetia:
"ONDE?", com os olhos flamejando, arregalados de uma tal forma que o Jorginho- um dos pajens- resolveu comentar, entre gargalhadas:
"Tá parecendo o dragão do Shrek!", acompanhado por um "cortejo" de crianças suarentas, meio amarrotadas, com os cabelos desgrenhados e mães, desesperadas entre ajeitar os pimpolhos e conterem os próprios risos.
Jorginho respondeu, se jogando sobre um sofá:
"No rabo!" e haja gargalhada, sendo acompanhado no projeto "como enlouquecer a Sofia" pelos demais convivas.
Sim, a cauda estava rasgada mesmo. Não era um cerzidinho qualquer que resolveria a questão, não.
Era um rasgo fatal, separando o vestido na dobra dos joelhos para baixo, na horizontal.
Sofia não aguentou mais. Jogou-se no chão e chorou. Estava uma hora atrasada, o noivo já havia telefonado umas dez vezes e ela dizendo que "estava chegando", o vestido rasgado, sem as meias e o buquê. Derrota total.
"Querida, não chora não! A maquiagem é a prova d'água mas os seus olhos vão ficar inchados, meu bem, e isso eu não tenho como consertar", instruía Margot, a maquiadora das estrelas da TV.
"Olhos inchados?! Meu coração está aos pulos e você me pedindo para NÃO CHORAR! Saia já daqui!", largando em cima da pobre Margot todo o desespero de sua alma.
A mãe, mais equilibrada que trapezista sem rede de segurança interveio e acalmou a maquiadora- que se sentiu ultrajada, porque nem os maiores astros e estrelas a tratariam desta maneira- que permaneceu na casa para retocar a noiva, após o Tsunami que lhe escorria dos olhos.
Celulares tocando, convidados na igreja sem entender as quase duas horas de atraso.
Sofia, repentinamente, estancou. Subiu lentamente as escadas, segurando a cauda rasgada. Todos ficaram em alerta, para que ela não cometesse algum desatino. Afinal, não seria para tanto e o noivo continuava a esperar. Portanto, haveria o casamento!
"Filha, eu vou com você", acudiu a mãe, subindo logo atrás.
"Não. Quero ficar um pouco só."
A mãe fingiu acatar e foi em seguida, ouvir por detrás da porta do quarto de Sofia, fechado à chave.
Parecia uma cena de filme de suspense: todos sentados, nenhum murmúrio- nem mesmo o Jorginho se atrevia-  paralisados como se esperassem entrar o detetive da história, dizendo: "o culpado é o mordomo!"
Dentro do quarto, Sofia olhou-se no mesmo espelho de antes e viu a horrenda imagem de agora, tão destoante daquela.
Refletiu durante uns cinco minutos, sentiu a brisa fresca que permanecia sua companheira e foi para o banheiro. Fechou a porta.
Calmamente desfez o penteado, pousou na bancada a tiara de cristais, descalçou os sapatos e, por fim, retirou o vestido, amarfanhado, com a barra meio desfeita e rasgado na cauda. Observou-o atentamente e percebeu que vários cristais haviam caído nas correrias daquelas duas horas de desespero. Pensou em Bruno- "deveria estar nervosíssimo à sua espera, postado no altar" e decidiu dar um fim naquilo tudo. Seu pai estava certo: "o casamento é uma selva".
Abriu o chuveiro e tomou o banho mais gelado de sua vida. Lavou os cabelos, a maquiagem- que era realmente boa e não saiu!- e todas as tristezas daquele dia.
Enxugou-se e foi enrolada na toalha para o quarto. Olhou-se no espelho novamente e viu-se bem melhor.
Foi até o armário e buscou o melhor vestido de baile que tinha e, por sinal, era vermelho. Colocou-o sobre a cama e buscou os sapatos que faziam parte do look- prateados.
Secou os cabelos do jeito que costumava fazer. Vestiu-se.
Ao abrir a porta quase caíram juntos a mãe, o pai, a tia Cotoca e uma fila de amigos e parentes que ocupavam cada qual o seu degrau e houve um certo alívio em vê-la viva.
Todos se endireitaram como se não tivessem sido flagrados e a própria Sofia terminou com a tensão:
"Vamos?"
"Assim?!", questionou o pai, meio assustado em conduzir uma noiva de vermelho.
"Se é uma selva, serei o espécime mais interessante que já se viu."
O pai, é claro, sentiu um orgulho incrível daquela filha que, ao cair, aprendeu a crescer e sair da ilusão.
"E o é, minha querida. O mais belo e estonteante pássaro de fogo jamais visto."
Desceram juntos, braços dados, seguidos pelo alívio de todos os convidados.
Neste instante, ouve-se a campainha:
"Senhora, entrega de um buquê".
" O senhor deve estar enganado. Como pode ver, aqui não há uma noiva", contestou Sofia, apontando para o lindo vestido vermelho"
"Mas o endereço que tenho é este. Esqueceram de enviar antes. Será que a noiva já se foi?".
"Querido, tente o nº 125, lá no final da rua."
"Obrigada, senhora e desculpe-me o incômodo".
"Sofia, não é no 125 que mora a dona Catarina, aquela senhora que namora entregadores de pizza?"
"Por isso mesmo. Quem sabe ela não muda de gosto?!", dando uma piscadela ao pai,  levando consigo o terço de cristal.
Beijos mil,
Adri.







quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Portão de embarque: o seu destino

Sentia o amor penetrar em sua pele. Os pelos do braço eriçaram quando ele tocou de leve a sua mão.
Era como se a vida começasse ali, naquele minuto exato em que se esbarraram no aeroporto.
Isabel era geóloga e havia se graduado numa das melhores universidades do mundo e o amor sempre ficara em segundo plano. De família pobre, conseguira uma bolsa de estudos integral e emigrara, levando consigo toda a coragem que possuía e algum dinheiro no bolso. Sua miserável existência se resumiu, até então, a ser exemplar como acadêmica, pesquisadora e tudo o mais que envolvesse o racional. Com isso, tornou-se uma raquítica emocional, mas excelente palestrante.
Naquela tarde, bem no meio do aeroporto em que faria a conexão foi, digamos, "abalroada" por um espécime masculino que lhe fez vibrar as cordas da sua alma. Seu corpo sucumbiu a presença de um homem, sem quaisquer lógicas ou estudos anteriores. Sem hipóteses. Sem teses.
Sentiu-se um animal no cio e começou a se tremer, como uma doente terminal.
O homem sequer percebeu o feitiço que lançara naquela desconhecida. Determinado, tentava pegar todos os papéis que derrubara no chão e, por ironia do destino, atingiram distâncias inimagináveis.
E ela ali, meio acocorada, sem tirar os olhos dele, das suas mãos ágeis, do seu embaraço e constrangimento. Apenas olhava e sentia. E desejava.
O homem finalmente terminou a tarefa e levantou-se, estendendo a mão direita para que ela fizesse o mesmo. Ela a ofereceu como quem dá o corpo inteiro, num despudor de meretriz.
Só então ele percebeu o feitiço do qual era parte ativa. Sentiu a mesma vibração que ela, quando dentro de sua mão sentiu a vida daquela mulher a palpitar nas veias, veias onde até hoje nunca, jamais correra um sangue tão escarlate assim.
Sem trocar uma única palavra, saíram do aeroporto lado a lado, sem desviar o olhar um do outro, sem perder a cadência dos passos.
Entraram num táxi e foram para o hotel mais próximo. Num quarto digno de uma rameira, Isabel entregou-se ao desespero, à luxúria e olhou-se nua no espelho. Os cabelos em desalinho, a pele avermelhada pelos tapas e beijos violentos, aquele desconhecido a lhe possuir como se dela fizesse parte, conhecendo todos os mistérios do corpo que nunca fora, sequer, dela mesma.
Atordoados, famintos, cansados e embriagados do frenesi do sexo feito sem ressalvas, lançaram seus corpos, lado a lado, sobre o colchão gasto, recoberto com lençol marcado por cigarros.
Não houve palavras. Nada quebraria aquele silêncio eloquente, que berrava sem palavras ou gestos.
Isabel arrastou-se até o banheiro e tomou o melhor banho da sua vida. Lavou as culpas, as fobias e pelo ralo, no redemoinho formado pela água que lambia o seu corpo, levava junto as correntes que a subjugaram durante anos.
Cheirou profundamente a toalha de banho, quase sem felpa de tão gasta e sentiu um odor diferente. Sentiu-se aventureira, mentirosa, cortesã. E gostou.
Gostou de ver o corpo nu diante do espelho. Descobriu os seios, passou a mão pela barriga, mediu o umbigo com a ponta do dedo indicador. E adorou
Percebeu que nunca se vira assim. Tão nua e tão...plena. Sem qualquer direção e tão segura.
Voltou ao quarto e observou o homem, com o corpo parcialmente coberto pelo lençol amarrotado, o peito subindo e descendo numa respiração profunda, de quem adormeceu feliz. Sorriu.
Sem nome: sem passado e sem futuro, decidira ali. Olhou-se novamente no espelho, jogando a toalha aos pés, num ato brutal, como se fosse nua para a rua contar a todos o que vivera.
Vestiu-se lentamente, lamentando ter que partir. Calçou os sapatos negros, com saltos modestos. Olhou com desaprovação.
Pensou em secar os cabelos mas desistiu. sairia com eles molhados e secariam ao sabor do vento.
Beijou a testa do homem ternamente, agradecida pela sua liberdade e saiu, com um leve gingado nos quadris, daquele jeito que somente as mulheres que foram meretrizes- ao menos uma vez na vida- conseguem oferecer aos olhos do mundo.
Desceu pelas escadas, carregando a bolsa pela pontinha dos dedos e a pasta como se fosse chumbo.
Pagou a conta e avisou que o seu acompanhante dormia e que o acordassem depois que ela se fosse de vez.
Ao sair observou que, do outro lado da rua, havia uma sapataria. Chegando ao local, sentenciou:
"Sapatos vermelhos. Saltos altíssimos. Agulha."
A vendedora estranhou ao ver o par que ela calçava: austero e de grife.
"Senhora, temos outros modelos, da grife que a senhora está usando, que condizem mais com a sua figura".
Isabel gargalhou de tal maneira que a vendedora sucumbiu ao que fora pedido.
Calçou-os.
"Perfeitos!", pagando e se retirando rapidamente da loja.
"Senhora, senhora. Esqueceu os que calçava", alertava a vendedora que se esticava na pontinha dos pés, acenando na porta da loja.
Isabel virou-se calmamente e foi taxativa:
"Queime-os!"
E lá se foi a mulher, num terninho negro, sapatos vermelhos e um gingado que hipnotizou todos os homens que por ela passavam. Entrou num táxi e deu o destino:
"Aeroporto, por favor".
Em lá chegando, foi ao balcão da companhia:
"Perdi meu voo"
"Temos outro, para o mesmo destino, com embarque imediato".
"Não querida. O meu destino não era este".
Beijos mil,
Adri.

 

segunda-feira, 29 de julho de 2013

A tatuagem no pescoço

Vladimir estava desatento naquela manhã. Estava a caminho da Universidade em que cursava medicina para assistir uma aula que seria cansativa, com um professor que parecia o avô de Ramsés e que falava como uma tia histérica. Para piorar, acreditava que papagaio poderia ser testemunha e pintava o bigode na cor preta. Era uma cena dantesca para uma segunda-feira.
Mas fazer o quê se a secretária sempre colocava este professor no primeiro horário de aula e logo às segundas-feiras?!
Enfim, lá se ia o Vladimir arrastando o corpo pela estação do Metrô. Sim, porque a sua alma permanecia embaixo dos cobertores quentinhos, que se misturavam com o travesseiro e formavam o casulo perfeito para aquela manhã cinzenta e fria.
Chegou o Metrô e todos se posicionaram nas portas. Menos o Vladimir, que em sua motivação educacional se distraiu com a "importantíssima" leitura dos componentes da barra de cereais que mastigava preguiçosamente.
Apito. Portas fechadas.
Vlad até tentou correr mas o trem já havia partido.
"Ah... até é bom chegar atrasado hoje...", suspirando aliviado com aqueles míseros minutos de alforria do professor múmia.
Faróis tornam a aparecer no túnel e a nova composição chegava. O rapaz era o primeiro e a porta se abriu estava bem à sua frente. Mesmo que não quisesse, a massa humana o teria empurrado para dentro do trem e, estando ali, procurou se sentar de imediato, porque o corpo permanecia na dormência dos cobertores.
Colocou os fones de ouvido e seguiu como habitual até que, num repente, vislumbrou um pescoço de mulher, tatuado, com os cabelos presos ao alto com um lápis. Ficou hipnotizado.
Diga-se de passagem que ele não estava muito em si naquele dia e até um cão abanando o rabo persistentemente seria capaz de hipnotizá-lo, mas aquele pescoço o deixou com os olhos concentrados.
Apito. Parada na estação e a mulher salta com a multidão e se perde entre outdoors e escadas rolantes.
Vladimir olha ao redor um tanto atordoado, passando a mão pela testa sem entender bem o que acontecera.
Chegou à Universidade como um robô, programado para ignorar o professor, os colegas, a aula e somente pensar naquela tatuagem....naquele pescoço de mulher.
"Vlad! Vlad! Você está usando drogas?!", perguntava baixinho o amigo de sempre, Nicolas, aturdido com o comportamento do rapaz que somente estava presente no corpo.
Limitou-se a responder um "não" e a continuar no torpor que a nuca daquela mulher o causou. Nem mesmo a voz histérica do professor o incomodava naquela manhã. Estava ainda no Metrô- ufa! finalmente não eram os cobertores...- refém daquela tatuagem.
No dia seguinte acordou mais cedo, barbeou-se com esmero, perfumou-se e foi, corpo e mente em direção ao trem com a felicidade de Chapeuzinho Vermelho antes de encontrar o lobo.
Por falar nisso, gostaria de compartilhar uma dúvida: que mãe era essa a da Chapeuzinho? Se a avó estava doente, ela manda a menina- que é uma criança- levar docinhos (que não alimentam um doente!) até a casa da idosa sabendo que há um lobo à solta?! Sinceramente, uma péssima mãe!.
Prosseguindo a nossa história, Vladimir ficou alerta, aguardando a composição que o levaria a terra dos sonhos, aquela nuca... ai meu Deus... e sentiu momentaneamente partes do seu corpo se mexerem inconscientemente.
E viva à mochila que salvou o nosso rapaz de um constrangimento geral. Segurou-a à frente do corpo e aguardou. Lembrava-se que tinha se atrasado e, portanto, perdera o primeiro trem. Repetiu a situação.
Entrou no segundo, pela mesma porta, seguindo como um ritual todos os passos do dia anterior.
Sentou-se no mesmo lugar e...
"Cadê a mulher?!"
Desespero nos olhos: olhava ao redor, na plataforma de embarque- só faltou procurar sob os assentos- e nada da tatuada.
Chegou à faculdade bufando, rosnando, com um mau humor que fez os amigos recuarem a tal ponto de formar uma espécie de "clareira" de cadeiras ao redor do Vladimir.
"Cara, sério. Droga mata... Estou muito preocupado com você. Precisa conversar? Eu sou seu melhor amigo e estou muito, mas muito preocupado com as suas atitudes. Ontem estava apático, em outra dimensão, hoje agressivo. Provavelmente é abstinência, não é?! Eu posso e devo ajudar. Fala comigo, Vlad...".
"Não enche, Nicolas! É abstinência mesmo e não vou falar nada. Saco! Parece tia velha no ouvido da gente. Se concentra na aula que é melhor para você!"
Nicolas se afastou num misto de revolta e piedade. Eram amigos desde pequenos e não aceitava o fato de perder Vlad para as drogas.
Bom, até certo ponto o rapaz estava em abstinência, sendo que de PESCOÇO. E de UM em especial.
O dia acabou e Vladimir mal podia dormir esperando para acordar na manhã seguinte.
E assim foram os dias até que reencontrou o "pescoço tatuado". Sim, porque a mulher ele sequer observou: não saberia dizer a altura, o corpo ou a cor dos cabelos. Fora hipnotizado por um pescoço.
Tatuado.
Mais que depressa sentou-se no banco atrás do "pescoço" e posicionou-se ao ataque. Tão logo vagasse o assento ao lado da mulher, pularia como um atleta e, uma vez sentado, a tomaria para si. E teria para sempre aquele pescoço, noite e dia.
Dito e feito. Ao vagar o assento o rapaz empurrou duas velhotas, uma criança que perdeu o pirulito e começou a chorar e um homem, digamos, com uma beleza excêntrica: tinha uma cicatriz no rosto, de ponta a ponta, e braços tão fortes que, ao movimentar os músculos, faziam a havaiana dançar o ula-ula.
Conseguiu sentar e, ofegante- ao menos estava vivo!- olhou para a moça, finalmente, a dona do "pescoço tatuado".
"Oi, meu nome é..." e antes que terminasse a frase dois olhos vesgos o observaram atentamente e a boca se entreabriu, podendo amplamente demonstrar o vácuo provocado pela falta de muitos dentes:
"Cruzes! Você é sempre assim: grosseiro", numa voz desafinada e aguda que fez o parrudo da cicatriz encolher-se.
"Não! É que eu..."
"Olha só, garoto- ela era bem...bem mais velha que ele- na minha época as pessoas cediam o lugar aos idosos. Questão de boa educação, sabe?!"
E Vladimir recebeu as palavras anestesiado, sem qualquer reação possível. Pensava em como tudo aquilo ocorrera, lembrou-se de um tombo que levara do balanço, aos oito anos de idade, de Carolina- a primeira namoradinha- e achou que estava morrendo, porque a vida lhe passava diante dos olhos.
"E da próxima vez, meu filho, lembre-se do que lhe ensino", terminando a frase e saltando na estação de sempre.
O rapaz ficou tão aturdido que passou da estação e fez o trajeto, ida e volta umas três vezes até recobrar os sentidos.
Já na faculdade, na metade do dia e tendo perdido duas provas, agarrou o braço do Nicolas e sentenciou: "Larguei as drogas e quero ser cirurgião plástico. O melhor."
Nicolas abanou a cabeça em assentimento e lá se foi o Vlad, caminhando firme em direção ao futuro.
Hoje, passados muitos anos, Vladimir é Mestre naquela especialidade, muito conceituado na profissão e ainda pratica a benemerência nas horas vagas da sua agenda lotada, fazendo cirurgias reparadoras em hospitais públicos. Casou-se com uma mulher de beleza comum. Só fez uma exigência: que fizesse uma tatuagem no pescoço.
Beijos sempre,
Adri.


terça-feira, 23 de julho de 2013

Maria e Murilo

Era um verão daqueles bem amenos, onde o sol aquece mais que bronzeia.
Maria era uma doce menina de sete anos, talvez oito, com longas tranças cor de mel e olhos profundos. "A profundidade que o mar tem", dizia-lhe o avô, todas as vezes em que se sentava aos joelhos para ouvir suas histórias sobre viagens pelo oceano.
Adorava o vô, ouvi-lo, brincar com ele. Eram bons companheiros mas ele compreendia que crianças são mais felizes e completas ao lado de outras e, assim, depois de um tempo de narrativas, o vô a colocava para correr e criar suas próprias memórias.
Naquele verão a família foi à casa da praia com os primos, recém chegados de outro país e a farra da criançada era uma constante. Não havia bolos que a Júlia, mãe de Maria, fizessem que fossem suficientes.
Até que, numa tarde na praia, procurando conchinhas de cores diferentes, Maria se distanciou dos primos e viu-se só, com a marola do mar a lamber-lhe os dedinhos dos pés.
Olhou para os lados e não viu ninguém. Esboçou um choro, os olhos profundos tornaram-se úmidos e mais profundos.
Sentou-se na areia e antes que o choro se reunisse ao mar foi encontrada por Murilo, um menino alto para a idade com a cabeleira ao vento, ruiva como os raios da manhã ao desabrochar naqueles verões.
"Perdida?"
"Sim...", enxugando o nariz sardento que teimava em escorrer.
"Eu sou Murilo e sei tudo por aqui. Há muitos verões venho para cá e não existe um único cantinho que eu desconheça. Vou levá-la para casa." e terminou a frase como um herói de aventuras mil, com superpoderes e capa.
Estendeu a mão para a de Maria que o olhou com certa desconfiança. Afinal, a mãe sempre alertava para não falar com estranhos. Imagine só se a visse ir com um! Porém, qual alternativa existia além de acompanhar o menino que prometeu levá-la a salvo para a família?
E tendo apenas o mar e o sol a desmaiar no horizonte como testemunhas, Maria entregou a mãozinha suja de areia a Murilo e deixou-se levar, esquecendo de imediato as conchinhas que foram o motivo da sua distração.
Os dois foram andando pela beirinha da areia, naquele lugar exato em que ela é dura e macia e o mar não causa medo, apenas alegrias. Correram, brincaram de pegar, jogaram bolas de areia um no outro e conversaram tanto como se fossem dois amigos de longa existência.
A noite já estava avançada e a família de Maria em desespero. Júlia com o corpo largado sobre o sofá chorava compulsivamente enquanto o avô de Maria, seu Pedro, foi à sua procura por toda a região, batendo de casa em casa, procurando os pescadores para conseguir alguma informação sobre o paradeiro de Maria.
Lá pelas oito horas da noite chega a garota, com as bochechas vermelhas, um sorriso sem fim na boca, as tranças misturadas com o sal e a areia, trazida pelas mãos de Murilo.
A família entra em comoção. O mar não havia levado a pequena Maria e nada de mal acontecera.
Murilo ficou paradinho na porta e sem ser percebido. Olhou para a cena e decidiu sair quando foi interrompido pelo avô da menina que praticamente fez um interrogatório com o garoto, digno de filme de agente secreto. Maria era a única menina dentre todos os netos e seu Pedro era quase um devoto da neta.
Mesmo assustado, o menino respondeu corretamente e foi "liberado". Saiu meio aborrecido porque foi impedido de se despedir da menina que havia salvo com seus superpoderes. E não conseguiu ver os belos olhos de Maria mais uma vez antes de ir-se embora.
Foi-se, arrastando os chinelos de borracha pelas ruas de paralelepípedos já banhados pela lua cheia.
Murilo adorava as luas cheias e, segundo ele, grandes coisas aconteciam nestes períodos porque o mar- sempre o mar!- reagia à ela, ficando furioso, cheio e mais profundo... como os olhos de Maria.
Deu uma corrida para apressar a chegada a casa, porque o jantar já estaria servido e a sua fome era a de um super heroi.
A família o recebeu sem maiores problemas porque, para ela, férias de verão eram sinônimo de criança em estado selvagem, desde que tomasse banho e se alimentasse, estaria tudo dentro da ordem.
Murilo preferiu omitir os fatos do dia e se limitou a dizer ao pai que a tarde foi interessante e que fez uma amizade. Sem mais.
Aquela noite dormiu sobre o lençol com estampa de espaçonaves com os olhos grudados na lua que enchia a janela e o pensamento em Maria.
"Que coisa estranha gostar tanto de uma menina... Ela não sabe jogar futebol- já havia perguntado à própria- ficou perdida e quase chorou.... Ah, se não fosse por mim. Eu sou o máximo!", terminando o pensamento e iniciando o sono que lhe traria mil aventuras.
Maria ficou de castigo por uma semana, sem poder ir à praia. Murilo a procurou inutilmente, inclusive por outras praias - vai que ela estivesse perdida mais distante?!- e nada.
Findado o castigo, a família salientou que a queria por perto e Maria sentiu um aperto incômodo no estômago. De alguma forma aquilo a incomodava e na meninice dos seus sete, oito anos não conseguia definir. Murilo estava com ela e queria voltar a encontrá-lo, correr com ele na praia, ouvir as histórias que ele contava.
Os dias foram se sucedendo e as crianças não se encontravam. Quando ela saía da sorveteria, ele chegava. Quando ela estava na praia, ele jogava futebol e quando ele ia à praia, ela já havia retornado para tomar o banho e jantar.
Murilo tomou coragem e foi até a casa da menina. Tocou o sino de bronze ao lado da porta principal e foi atendido pelo avô de Maria que, gentilmente, desaconselhou que ele a procurasse e que por culpa do garoto Maria ficara de castigo. Ele era "encrenca".
Saiu amuado pensando: "eu... encrenca..." e preferiu não tornar a encontrar a menina, por mais que quisesse, para que ele não fosse "encrenca" na vida dela.
Maria percebeu o sumiço de Murilo e tentou encontrá-lo, perguntando furtivamente aqui e ali mas, em sendo menos esperta, nada conseguiu a não ser o olhar mal encarado da mãe, que a repreendeu por estar constantemente se afastando: "quer se perder novamente, Maria? Já não basta o que houve? E se um estranho pega você, hein?"
E desta forma, aquele verão acabou, a família retornou para a capital e fechou a casa da praia.
Murilo foi-se também, com a família, os super herois e as muitas histórias que contaria quando chegasse na escola. Mas foi com o coração apertado.
Os verões iniciaram e terminaram e, com eles, a infância se passou. A família de Maria vendeu a casa da praia após o falecimento do avô. Aquilo tudo era dele e só fazia sentido com ele, a casa lotada de crianças e amigos, a mesa farta e cheirinho de bolo dos finais de tarde.
Anos após, Maria retorna à cidade. Passa diante da casa que foi da família e pensa em pedir para entrar mas, logo ao início, desiste. Já não há o sino de bronze, as árvores que davam flores multicoloridas foram cortadas e sua alma foi tomada por uma aflição horrível. Correu sem olhar para trás, pois lá já não havia o seu passado, nem aqueles verões da meninice.
Agora tinha os cabelos curtos, o tom mais escurecido, os olhos encobertos por óculos de sol e usava chapéu para evitar os raios solares: "quando eu era criança o sol era desejado e nunca impedido...", pensava sempre.
Andou a esmo e a cidade pouco se modificara. Quando se deu conta estava na praia em que conheceu Murilo, procurando conchas de cores diferentes. O mar veio beijar-lhe os pés, como quem reverencia uma amiga há muito afastada de nós. E a mulher cedeu espaço à menina e pôs-se a correr, como se os sete ou oito anos de sua existência retornassem no vento que batia em seu rosto, com os respingos de água salgada e areia.
O chapéu ficou para trás, lançou fora os óculos de sol e abriu os braços como se fosse um avião. Como se fosse Murilo contando suas façanhas.
No sentido oposto caminhava um homem, com as calças jeans dobradas à altura dos joelhos, carregando a camisa branca na mão. Viu aquela mulher brincando pela praia, sozinha porém acompanhada de milhões de histórias.
Acelerou o passo. O coração descompassou.
Correu.
Deixou a camisa cair da mão e, num ímpeto único, abriu os braços em forma de asas de avião e voou na direção de Maria.
Estão juntos até hoje e Murilo continua acreditando na lua cheia e nos profundos olhos de Maria.
Beijos,
Adri.


domingo, 21 de julho de 2013

Os cinco mil acessos e o meu amor pelo mundo

                                       Fonte: diariocantinense.com.br/ Google

Estou escrevendo este post com a música "Night and Day", de Cole Porter, ao fundo, na versão espetacular do U2. E esperava ardentemente pelo meu encontro com vocês em mais esse número mágico para mim.
Estranho é que decidi comemorar os ímpares. Mas eu tenho pares, que são vocês!
Na minha ansiedade não consegui preparar nenhum texto previamente e, caso este não seja dos melhores, o leiam ao som do U2- vocês encontram um vídeo maravilhoso no You Tube, em alta definição de som- e tudo melhorará.
Amo vocês. Sério.
Descobri que me preocupo quando alguns somem.
A pergunta que devem estar se fazendo: "Como ela sabe quem somos NÓS?!"
Abro a caixa do mágico e explico o truque? Claro, são cinco mil acessos e vocês merecem!
Tenho um painel de moderação com tudo que possam imaginar: quais os países que acessam o site, quais os textos lidos no momento, no dia, na semana- há um mapa mundi- na cor verde- que vai do mais claro( países que menos acessam) ao verde mais escuro, quais os navegadores que utilizam e de qual forma encontraram o site/blog.
Enfim, um sonho de consumo para uma escritora amadora e que necessita de apoio.
Cada país que adere eu comemoro, e ainda sei o número de pessoas que aderiram e permanecem comigo.
Lamento não saber QUEM são vocês...
Fico pensando se me leem numa folga do trabalho ou de suas casas, se sou companheira de noites de insônia- que é o meu caso- se o post foi o consolo de um dia ruim ou a comemoração de uma vitória.
Penso se estão bem de saúde- sou muito emotiva e totalmente pelo coletivo!- e quando sei, pela imprensa, que houve algum problema em um desses países rezo para que não os atinja.
Não porque são meus leitores, mas porque virei cativa do amor que nos uniu.
Um amor sem rosto, solidário, doação.
Amor de primeira qualidade, porque é na doação pura e simples que ele se desenvolve.
E o nosso foi assim. Nasceu miúdo, cresceu e hoje somos uma família que abrange os seguintes países: Brasil, Estados Unidos, Rússia, Alemanha, Portugal, Hungria, Japão, China, Austrália, Colômbia, Itália, Bélgica, Noruega, Dinamarca, Reino Unido, Argentina, Peru, Macedônia, Malásia, República Dominicana, França, Holanda, Guiana Francesa, Irlanda e Sérvia, por ordem de adesão à "Cerejinha".
Meus beijos a todos, sejam nacionais ou brasileiros radicados nestes países. Que saibam a língua portuguesa ou que usem o tradutor do Google.
Por mim e por vocês penso em histórias durante o banho, quando não durmo, quando dirijo e aprendi a observar mais o ser humano.
Como eu acredito em vibração de energia positiva, sintam-se positivamente envolvidos, nessa energia que nos dá força, vitória, alegria e perseverança.
Vida longa a todos nós!
Com o coração repleto de gratidão,
Adriana Andollini. 
"In the silence
  of my lonely room
  I think of you
  Night and day "
  Cole Porter- " Night and Day".

quarta-feira, 17 de julho de 2013

A viúva e o sutiã dourado

Maia era uma viúva pacata, na casa dos cinquenta anos.
A vizinhança era igualmente inerte e sem cores. Uma vida em preto e branco com médias variações em cinza.
Certo dia viu-se um sutiã ousado, em tom marfim com rendas douradas, lacinhos e outros adereços que conferiam à peça íntima um ar de...pecado.
Claro que se fosse vermelho vocês já saberiam, de plano, que a peça era pecaminosa- aliás, nunca entendi bem essa relação da cor vermelha com o pecado, mas vamos lá- e não haveria qualquer motivo para que eu fizesse este grifo. Porém, aquela peça singela e cheia de odores profanos tinha um quê de majestade, de pecado feito sem pressa entre lençóis de cetim. Algo que se retira lentamente, como quem realiza um ritual e bebe o vinho do prazer no umbigo da mulher amada.
Assim foi percebido e observado por toda a vizinhança que, pouco a pouco, tomou ciência da peça que, a cada ciclo lunar, retornava a sua exposição de delícias e calvário.
Mais estranho era estar no estendedor da casa de dona Maia, viúva pacata, como havia dito e que jamais, repito, JAMAIS dera motivos a qualquer especulação sobre sua vida pessoal.
Interrogada sobre como ia passando, respondia laconicamente que muito bem e com a Graça de Deus.
Suas vestes eram circunspectas, com saia na altura dos joelhos sem uma fenda sequer. Sapatos negros, com saltos bem miúdos, clássicos e sem adornos. Cabelos negros como os olhos, de uma tristeza meiga eram arrematados em um coque muito bem aparatado, sem um fio fora do alinhamento.
Enfim, espartana e acima de qualquer influência fashion.
Mas, até aí nada, porque há inúmeras pessoas simples nas vestimentas e apimentadas no que vai por baixo. No entanto, a nossa viúva sempre pôs para secar peças ridiculamente ínsipidas,  capazes de inibir um leão no cio.
Então o que mudara na vida de Maia, a nossa viúva misteriosa.
Os vizinhos se aquartelaram na casa do arauto da moralidade, o sr. Antenor de Alcântara, com monograma em todas as porcelanas da casa e nos portões de ferro da residência que, convém salientar, ocupava uma quadra inteirinha.
O que seria ou não, haveria um homem- ou vários!- transformara a casa num rendez-vous- para os que não associaram o nome à pessoa, um bordel, prostíbulo um...puteiro.
Valha-me Deus! Toda esta confusão por um sutiã de nada. Imaginem se a viúva estendesse calcinhas, ligas, espartilhos. Aí, era excomunhão e expulsão, regadas à água benta e cruz na testa.
Decidiram que colocariam o Padilha, figura alcoviteira e fraca de caráter, que receberia uma soma vultosa em dinheiro- paga pela A.M.C.S: "Associação da Moral contra o Sutiã"- para, dia e noite; noite e dia, espionar a casa da viúva até que tivessem provas do crime.
E assim foi feito.
Padilha- já falei que era desprezível e tinha um bigodinho fino que aparava todos os dias?!- pois é, fazia os seus plantões sem qualquer falta, com chuva ou sol e, após dois meses de tocaia, nada havia de anormal na residência da viúva, que somente recebia a visitado primo Lucius, como era habitual desde que a mesma se mudara para lá, com o finado marido.
Antenor de Alcântara não se conformava, agitando o cachimbo de um canto para o outro da velha boca, indignado com o despudor que não conseguia ser desmascarado.
Os meses foram se arrastando e o problema foi sendo dissipado. Aos poucos o sutiã teve companhia de outros, ricamente confeccionados, acompanhados das tais peças que gerariam a excomunhão da viúva. Incrivelmente a A.M.C.S foi minguando e as contribuições também, o que fez com que o Padilha- já informei que ele babava nos cantos da boca?!- pedisse "as contas".
Dona Matilde, passada a tempestade, convidou tia Cotoca para fazer uma visita em desagravo a pobre dona Maia, isolada de todos por quase um ano e caçada como uma bruxa em plena inquisição.
A viúva abriu a porta com a educação que lhe era peculiar, sempre trazendo aos olhos negros a tristeza que a tornava meiga. Sorriu e as convidou a entrar.
Entre uma fatia de bolo e uma xícara de chá, a saliente tia Cotoca tocou no assunto, fingindo certo desinteresse.
"E então, dona Maia. Como vão as coisas por aqui."
"Bem, com a Graça de Deus..."
"Serei direta. O motivo desse desconforto na vizinhança- desconforto?!- foi a presença de peças, digamos, obscenas no varal da sua casa. Pronto, falei."
A viúva estrondou em uma gargalhada que o bairro inteiro ouviu. Chegou a ficar roxa e as lágrimas a pularem os olhos. Refestelava-se na cadeira, punha a mão na barriga e danava-se a rir, sem qualquer limite.
As visitantes ficaram desorientadas. Não era a reação esperada para uma pergunta como esta, muito menos para a "viúva".
Acho, queridos leitores, que elas sequer esperavam que uma viúva ainda soubesse gargalhar. Prosseguindo, após recuperar o fôlego e as cores, dona Maia explicou laconicamente:
"São do meu primo Lucius. Ele gosta de se vestir de mulher e faz isso aqui, na minha casa, porque aqui e na minha vida quem manda sou EU!"
Quando as duas senhoras levaram a notícia para o "Dom" Antenor Albuquerque este quase esticou as canelas. Urrava dizendo que isso era um absurdo e que não permitiria... e antes que terminasse a frase estava estendido no chão, quase como o sutiã no varal que deu início a esta "cruzada". Em coma há mais de seis meses. Mas sem lacinhos!
Beijos mil,
Adri.

domingo, 23 de junho de 2013

A sogra e o seu "coiso"

Cremildo era um homem de seus quarenta e muitos anos e morava numa casa modesta, na periferia de uma grande cidade. Suas felicidades eram o forró, a cerveja e o chamego com a esposa.
Esposa não! Sua M U L H E R, que era assim que ele preferia se referir a dona Sueli, mulher volumosa e cheia de fogo, ao ponto de Cremildo apelar para garrafadas e ovos de codorna para dar conta do fogaréu que existia naquele corpo roliço e sinuoso.
A vida ia assim, ao som de forró e sexo selvagem- quando as crianças dormiam, é claro- e Cremildo era o homem mais feliz do mundo. Tudo valia a pena para chegar à casa e encontrar a família reunida e a Sueli terminando o jantar, com o suor escorrendo por entre o reguinho dos seios.
Certa noite, mal o Cremildo havia posto os pés em casa e recebeu, como uma bofetada, a notícia:
" Mô! Mamãe chega semana que vem", com aquele tom de voz que não permite contestação.
" Poxa, Sueli. Isso é jeito de me dar uma notícia dessas! É como notícia de morte: tem que ser devagarzinho...".
Sueli olhou para o marido com olhos flamejantes, quase arquitetando uma forma de incorporá-lo ao ensopadinho.
Cremildo, que não é besta nem nada, deu um sorriso amarelo e disse o famoso "brincadeirinha", que é a saída mais manjada que todo marido usa quando é flagrado nos seus intentos.
O jantar transcorreu num silêncio que até os dois filhos do casal fizeram coro, com medo que alguma das deles tivesse sido descoberta. Durante a lavagem da louça, o Cremildo se apoiou na pia e perguntou: "Morzão, por quanto tempo a minha querida sogra ficará aqui?", com tom melodioso e...falso!
Ah, foi a gota d'água e Sueli incorporou uma Tsunami na alma: jogou em cara que o pai dele era cachaceiro, que aturava os pedidos de empréstimo do cunhado - que nunca pagava nadica de nada- que a sogra tinha o hábito de criticar a educação que ELA dava aos próprios filhos, e por aí foi, lavando os pratos, pingando suor e lágrimas.
Cremildo ia secando a louça em silêncio, como quem teme pela própria vida. Pensou:" deve ser a tal de TPM. Ou seria PEC 33, 37? Sei lá, uma dessas coisas que ataca as mulheres e deixa os homens assim, sem reação. Existe delegacia de proteção aos homens?", isto tudo num emaranhado de pensamentos, sem conseguir se fixar em nenhum deles e ia juntando a louça para guardar no armário.
" Ponho onde, morzão?!"
" Ai, coitado! É a primeira vez que você guarda uma louça aqui é?! Tá pensando que eu sou escrava?!" e nova torrente de reclamações veio como avalanche sobre o Cremildo que, espertamente, fingiu uma falta da zagueira Sueli e saiu de campo contundido.
Foi dormir e sonhou. Sonho não! Pesadelo!
Estava ele num ambiente sombrio e cheio de fumaça. Sentia o chão em brasas e viu muitas pessoas amarradas, sendo chicoteadas e outras rindo do sofrimento delas. Foi andando e chegou a uma sala enorme, lotada de móveis e viu o demônio em pessoa. Era meio vermelho - lembrou-se do Godofredo quando ia à praia e só voltava à noite, que nem um camarão- e deu uma risadinha.
O tinhoso se alterou e numa voz rouquenha, porém altíssima, perguntou:
" Quem és tu, mísero mortal?"
" Sou o Cremildo, senhor", segurando entre as mãos o chapéu que usava no forró.
Xi, o cara vermelhão se enervou com a palavra senhor e soltou um urro que jogou o Cremildo contra um dos móveis.
O coitado, ao se levantar, observou um paninho bordado, do jeitinho que a sogra havia ofertado ao casal por ocasião do casamento com a Sueli.
"Estranho..."
" Que Cremildo?!"
" Olha só, eu fui dormir direitinho, na minha cama e acabei aqui. Eu sou o marido da Sueli, aquela boazuda- para ele era!- foguenta... e Cremildo começou a se lembrar do que os dois faziam e mudou o olhar para o capetildo, que deu outra baforada para o moço voltar ao normal.
" Pois é, seu coiso, eu vim aqui não sei porque mas acho que é o inferno, né?! Tô devendo umas contas na quitanda e na padaria mas acho que não era suficiente para vir parar aqui!", com certa indignação na voz.
" EU chamei você!"
" Ué? Me chamou por quê?! Olha, eu até faço serviço de bombeiro gasista, mas aqui no seu estabelecimento a situação vai ser difícil de resolver porque a gente tem que saber da tubulação, por onde ela está... O senhor tem uma planta baixa para facilitar?! Outra coisa, seu coiso, o senhor tem como me pagar? Por que a Sueli é muito metódica com dinheiro e não deixa fazer fiado nem para os amigos e eu...." e antes que terminasse a "prosa" o coiso se irritou e bateu o pé no chão com tamanha violência que o rachou.
" Xiiii, vai sair mais caro o conserto, seu coiso. Eu conheço uma psicólóga, lá do colégio dos meninos que podia ajudar o senhor a lidar com essa raiva. Tem que extravasar de maneira "c o n s t r u t i v a", é o que la diz. Já pensou em fazer um exercício?! Hidroginástica, na sua idade ia cair bem porque não força os joelhos!"
O tinhoso já estava cansado, com a cabeça entre as mãos com todo aquele falatório e com a repetição da palavra SENHOR tantas vezes.
" Cremildo. Eu necessito que você leve a sua sogra para a sua casa. De verdade!", deixando correr uma lágrima pelo rosto vermelho.
" Por causa de quê eu vou ter que aturar a velhota se nem você a quer?! Tá pensando que sou trouxa?!"
" Desde que ela chegou eu não tive mais paz, Cremildo. Ela mudou a posição dos móveis, botou paninho com crochê em cima de cada um deles, com os dias da semana escritos, resolveu que eu tinha que tomar dois banhos por dia porque meu cheiro era de enxofre e, pior, exigiu que eu pusesse desodorante, porque alegou que meu suor era "ácido". Não estou aguentando, amigo"... com uma carinha de mágoa verdadeira.
" Vou quebrar um galho, coiso. Eu recebo a coroa e você se compromete a tirar ela lá de casa. Feito?!"
" Trato feito."
Cremildo acordou estremunhado. Suou o travesseiro ao ponto da esposa acordar pensando que ele estava com febre.
Lembrou-se do sonho estranho e riu de si mesmo, com tantos disparates:"o que uma sogra não faz com a gente", pensou bem baixinho, porque Sueli era capaz de ouvir até pensamentos.
No dia seguinte tocou o telefone:
" Oi mãe! Como vai a senhora? Hum... O quê? Nãoooo.... Sério?! Nãoooo! Como pode ter acontecido isso?", e o Cremildo esfregava as mãos pensando na maior catástrofe com a velha: caiu no banheiro, está com furúnculo na bunda e, para melhorar as coisas, ficou presa dentro de casa porque a porta emperrou! É a glória!
Quando Sueli desligou, o macho do Cremildo fez um rostinho de aflição, todo vertido para a Sueli:
" Oi, Morzão. Que aconteceu com a velh... sua mãe?"
" Rapaz, quando eu acho que já vi de tudo, acontece mais uma. Minha mãe me liga dizendo que não vem mais porque, andando na praia, conheceu um parrudo moreno e os dois vão ficar juntinhos o final de semana e, quem sabe, fazer uma viagenzinha. Pode?!"
" Claro que pode, Su! Ela é sua mãe mas é mulher e tem todo o direito de ser feliz."- e ele também!-" Você está muito retrógr...retrógr...ultrapassada!"
" Mas o cara tem idade de ser filho dela?"
" Tá super na moda. Deixa a velh...a sua mãe ser feliz."
E não perdeu tempo. Pegou a Sueli entre os braços e jogou a louça do café da manhã no chão e foi ali mesmo, na maior felicidade. Ainda bem que as crianças dormem pesado.
Ah? Vocês querem saber se foi coisa do seu "coiso"?! Sei lá, mas se foi, até ele está se regenerando!
Beijos mil,
Adri.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

A macharada no primeiro encontro.

Meus amados "Sundaes".
Sei que os pedidos foram muitos - e insistentes- para fazer as "dicas" na versão Testosterona. Demorou, mas chegou!
Apesar de ter convivido com poucos meninos na minha infância, fui cursar Direito aos dezesseis anos e, naquela época, ainda havia uma predominância masculina e aproveitei para ser a melhor ouvinte desses adolescentes/amigos que, para mim, contavam quase tudo.
De ignorante quanto ao pensamento masculino passei à melhor amiga deles- graças a Deus!- e a vida se tornou um laboratório. Um mundo desconhecido e maravilhoso se descortinava a tal ponto que me habituei, em muitos momentos, a pensar "como os homens" para tomar as decisões corretas. Explico-me: em sendo sentimental, muito menininha- do tipo que brincava com bonecas e NUNCA jogou futebol- passei a decidir com muito mel e pouca racionalidade. Resultado: tombos e muitas cicatrizes.
Hoje procuro temperar a minha vida e trazer de cada um desses dois universos o melhor que aprendi.
Portanto, leiam sem medo, porque quem vai lhes "falar" é a "melhor amiga". E tenho dito.
1) A mulher escolhida.
Antes de qualquer investida, observe se a sua musa realmente está interessada em você. O corpo fala e as mulheres tendem a ser mais risonhas com homens que as interessa.
Mexer nos cabelos enquanto fala com você é outra boa dica. Observe se a escolhida não tem isto como um tique nervoso, hein?! Neste caso significa que ela precisa de um neurologista.
O toque durante a conversa também é muito significativo do interesse feminino: é um encostãozinho  rápido num braço, um tropeço em seu pé, coisas desse tipo. Atenção: há mulheres que são desastradas. Neste caso, amigo, atente-se para os outros indícios.
2) O convite.
Por favor: não mande recadinhos por amigas. Qualquer mulher ODEIA homem frouxo.
Se você é adolescente, até vale. Mas adulto, jamais!
A fase adulta traz consigo algumas obrigações e, dentre elas, a de ter credibilidade. Um homem perde pontos, que ainda não conseguiu, se utilizar das amiguinhas da musa para um encontro.
Seja direto, sem ser rude. Observando que há possibilidades de reciprocidade, vá com gentileza até a mulher pretendida e pergunte se ela estaria interessada em um almoço ou jantar, ou mesmo um passeio em local público, como um ponto turístico bonito.
Em relação a estes lugares, escolha aqueles que não sejam muito tumultuados ou barulhentos. O seu objetivo é a conversa e conhecimento mútuos.
Vetado marcar um jantar pensando no motel depois! Se a mulher for do tipo mais emocional, perdeu o jogo aí.
Deixe as coisas fluírem e, se rolar no primeiro encontro, deixe que ela demonstre essa possibilidade, mesmo que subliminarmente. Mulher alguma gosta de ser tratada como 3 quilos de carne no açougue, ok?!
Lembre-se também que, caso dê certo, estas serão as bases da sua história e, desde que mundo é mundo, mulher perdoa mas não esquece!
Caso a resposta seja um não ao seu convite, relaxe. A vida é um alvo em que disparamos diversas tentativas. Umas são perdidas, outras acertam em cheio. Demonstre altivez e educação, agradeça pela atenção e retire-se, sem qualquer drama ou cara feia. Você é um homem e não um menino caprichoso!
3) O vestuário.
Como saliento em qualquer consultoria, ADEQUAÇÃO é a palavra chave para quase tudo.
Convém escolher o traje na proporção do local escolhido e da programação. Assim, se for um jantar num restaurante mais luxuoso, pergunte antes ao maitre se o restaurante exige terno. Neste caso, sapatos em bom estado e engraxados.
Caso não exija, uma camisa social com calça de alfaiataria, acompanhadas de um blazer irão bem a calhar. Use perfume masculino- há homens que preferem os femininos- sempre! Mulher quer sentir o odor de um homem e não o perfume de uma amiga!
Atenção: o perfume deve ser em pequenas doses, distribuídas atrás das orelhas, nos pulsos e no centro do peito.
Dica de ouro: dê uma borrifada à sua frente e entre na nuvem de perfume. Você perfuma o seu traje sem ser exagerado.
Não use mais nada com aromas porque você corre o risco de virar um emaranhado de odores.
Aliás, ótima dica: opte por desodorantes sem perfume e uma loção de barba levíssima.
E, é claro, muita higiene. Unhas cortadas e polidas, barba feita- ou aparada- e cabelo cortado.
Se você os têm longos, lave-os, seque-os e PRENDA-OS num rabo de cavalo discreto. Você não pretende ser uma top model tirando a mecha que cairá no seu rosto, certo?!
Caso a programação seja descontraída ou ao ar livre, mais fácil ainda: se você está no inverno, uma calça jeans e uma camisa básica funcionam bem com qualquer agasalho. Detalhe: tudo LIMPO!
Incluindo o calçado a ser usado, que deverá estar preparado com spray desodorizantes contra eventuais maus cheiros nos pés. Vai que você tenha que tirá-los?!
Caso você more em país tropical, facilidade plena: se o dia estiver ótimo, basta uma bermuda e uma t-shirt ou camisa pólo, tudo em bom estado e LIMPO. Um sapatênis resolve o calçado, permitindo estender o programa até para um cineminha, sem fazer feio. Se as condições climáticas não estiverem favoráveis, vá de jeans e mantenha o restante. Pode ser um jeans mais moderno, stonado. Rasgado nem pensar, mesmo que seja de uma grife caríssima. A grife funciona para os que entendem o seu preço e não para todos.
As pessoas vão vê-lo- e a sua musa- mas não a etiqueta do preço pago. Adequação!
4) Seja você.
Amigo, nada mais horroroso do que alguém que tenta impressionar.  Seja absolutamente o que você é! Ela deve gostar do seu jeito de ser e não de um personagem inventado, que não sobreviverá ao contato mais cotidiano.
Claro que não precisa ser com a sinceridade que você usa para os seus amigos de futebol ou do trabalho. Ela é MULHER e deve ser tratada com as diferenças necessárias. Seja fiel aos seus valores e conceitos de vida e tudo correrá bem.
Caso dê errado, sem traumas. Ela era para outra pessoa e a sua fila vai andar, até achar a mulher que vai adorar as suas piadas ou o seu aparelho dental.
5) Olhe nos olhos
Deixe de lado a timidez- se for o seu caso- e olhe nos olhos. Isso dá temperatura ao encontro, aquece os hormônios e dá o termômetro do que está acontecendo entre vocês.
Lembro-me de um caso que a musa, em questão, ficava enjoada com o hálito do interlocutor e foi fim de jogo.E só do sujeito falar!
Então, olhe nos olhos desta mulher e a tome para si no OLHAR. Homem com"pegada" dá o bote no olhar.
Se puder e a ocasião permitir, vale a mão posta sobre a dela e a famosa tentativa de "falso beijo".
Explico-me: Você beija para cumprimentar e "erra" o alvo, acertando o canto da boca da musa.
É clichê, mas quem sabe dá certo a empreitada?!
6) Pague a conta.
Tenebroso este hábito de rachar conta no primeiro encontro. Ofensivo!
Se você convidou, tenha situação para arcar com o passeio sugerido. Caso a sua situação financeira esteja no prego, opte por programações culturais gratuitas e seja feliz com um hot dog ou sorvete. Mas escolha alimentos de boa procedência, mesmo que simples e PAGUE-OS.
Para os abonados, esqueça a tendência a embebedar a musa. Ridículo.
Questione se ela bebe e o que bebe. Deixe ela indicar o que deseja e faça o pedido ao garçom.
Muitas bebidas caríssimas são odiadas pelas mulheres em geral.  Caso ela beba e não esteja a vontade para o pedido, tome à frente e sugira um drinque moderno ou- se não for a sua praia- peça uma sugestão interessante ao barman, na frente da sua escolhida. Assim você demonstra a sua atenção aos desejos dela e se entrosa um pouco mais. Ponto para o time dos meninos!
Observação: questione sobre eventuais alergias aos produtos contidos nas bebidas. Você não pretende terminar a programação num hospital.
7) Leve-a em casa.
É educadíssimo um homem levar a sua convidada no retorno à casa, mesmo que o encontro não tenha sido o pretendido, almejado ou que a musa não tenha se encaixado com você.
Seja elegante e termine o que iniciou. Saia como um lorde e a sua fama de homem educado irá percorrer, inclusive, até as amigas dela e...quem sabe lá estará a sua nova musa?!
Macharada, até chegar aos "finalmentes", onde somente o casal decide o que fará entre quatro paredes, há uma escada social a ser percorrida. Não fique indignado com isso! É a fórmula do sucesso com as mulheres de qualquer país e idade.
Sabem por quê?
Porque todo mundo, sem exceção de raça, credo ou nacionalidade reverencia quem o trata com educação e gentileza. Até você que me lê!
Sucesso em todos os seus encontros, sejam afetivos ou profissionais.
Beijos mil,
Adri.








terça-feira, 18 de junho de 2013

As donas da bola

Elas eram gêmeas e, como diria... mimadas.
Filhas de uma ninhada, na qual o pai era um portentoso microempresário, foram criadas em colégio católico e tudo, exatamente T U D O era permitido a essa dupla.
Tinham poder de vida e morte sobre as colegas e ai daquelas que não as adulassem: seriam vetadas de todas as convocações de jogos intercolegiais.
Claro, elas eram as donas das bolas e tinham em casa uma quadra, que o papai mandou fazer para que todos os seus rebentos pudessem treinar e se tornar, cada qual a sua vez, os "donos da bola" e terem os seu asseclas.
Pois é, a maioria seguia o curso do rio e compreendia normal o comportamento de humilhações e vassalagem imprimido por Medeia e Medusa.
Até que, num certo momento enevoado da nossa história, entra em cena Carmem, uma menina como outra qualquer, sem grandes objeções mas com grande espírito de honra. A novata não se submeteu aos caprichos das irmãs e, por sorte, foi execrada e se uniu a umas poucas que, como ela, não se submeteriam. A ninguém.
Furdunço no colégio católico, pois o campo de batalha era  montado a cada aula de Educação Física, a cada torneio intercolegial ou mesmo, interclasses.
Eram dispensadas, sumariamente, mesmo que seus dotes físicos para o jogo fossem superiores aos das "donas da bola" e sua gangue.
Enfim, o desprezo dominou o coração de algumas e o ódio, de Carmem.
Os anos se passaram e as gêmeas se tornaram uma pálida lembrança, mantida em brasa mansa que, a qualquer momento, reavivava o fogo da humilhação e o pranto seco como o solo do sertão. Carmem não se permitia chorar e aprendeu a sorrir diante das maiores provações.
Por uma questão moral, devo advertir que Carmem não era uma heroína. Era um ser humano indignado diante da injustiça. E quem não procedeu assim alguma vez na vida, não é?!
Adiante com o nosso conto, a vida afastou todas até que, num dia de sol, encontram-se em terreno misto.
Carmem, já casada e bem sucedida, vacinada contra criaturas como as gêmeas Medeia e Medusa, chega à festa com o marido, linda e autossuficiente.
Repentinamente seus olhos negros encontram os olhos de ambas que, auge da glória, observa o baixar de cabeça de uma delas: Medusa.
Medusa, já mais velha e alquebrada pelo tempo, viúva de marido vivo, cuidava do rebento fruto de muitas tentativas. É... nessas questões o dinheiro do patriarca não fez muito efeito.
Porém, Medeia aproximou-se, como se nada lhe afligisse a alma e Carmem pensou consigo que deveria ter se vestido com outra roupa, mais devastadora.
O marido a acalmou- já conhecia o sucedâneo de situações- e ambos receberam a convidada pálida de esperanças.
Após uma conversa que não diz a que vem e apenas segue o protocolo social -onde Carmem desejava ardentemente estar a bordo de um vestido vermelho- Medeia se incendiou ante a fluência de ideias do marido de Carmem. A "dona da bola" voltava à tona...
"Dessa vez não!", pensava Carmem. Já ia longe a infância e a proteção que as gêmeas obtinham no tal colégio de freiras.
Pensou em arrancar-lhe o coração, como nos filmes B, que ainda batendo em suas mãos, seria lambido e oferecido a algum deus pagão. Muito dramático...
Passou para a ideia de colocar, furtivamente, um dos pés à sua frente e dar-lhe o maior tombo da história. Também não foi possível, porque ela não se levantava, nem mesmo quando o filho de nove anos pediu para brincar no pula-pula para crianças de até quatro anos.
Carmem sacudiu os cabelos, tomou o marido pela mão e saiu daquele local, despedindo-se levemente alegando um outro compromisso.
Já dentro do automóvel, Carmem ofegante, pálida de ódio, iniciou uma sequência infindável de ira infantil, remontando todas as histórias vividas ao lado das duas.
O marido, plácido e internamente divertido com a situação, apenas a advertia: " Carmem, meu amor. Você tinha dez, onze anos. Já se vão vinte anos!"
" Eu aturei essas duas mais tempo que isso, José. Além do que, cada segundo de tortura e injustiça equivalem a horas!!!", já aos berros dentro do carro.
" Está bem, está bem. Qual seria a sua medida de vingança?"
" Sei lá! Qualquer coisa é pouca para estas duas!", dizendo isso já com a boca seca.
" Para você não basta a mulher estar biruta, horrorosa, chupeta das ideias. Deveria estar capenga, com o olho caído, a boca torta, arrastando o sapato furado..."
" E com o coração saindo pelo peito, caindo nas minhas mãos!".
" Então ficamos com esse final. E você estaria satisfeita se a visse assim?"
" Estaria...", sem muita convicção, porque ao ver a possibilidade se tornar realidade tornou-a pequena diante das injustiças sofridas.
" Você está linda- e qual marido seria macho de dizer o contrário nesta situação?- é bem sucedida e EU estou com você. O marido delas não veio!"
" E ela ficou extasiada com você", lançando um beliscão no coitado.
" Ui, mulher! Quer bater em alguém, a gente volta para a festa e você senta o braço nas irmãs doidonas".
E Carmem saiu do ataque estourando em uma gargalhada que contraiu a barriga e distendeu a tensão do dia.
Foram para casa e riram muitos dias à frente sobre o incidente com as "donas da bola", mais murchas que nunca.
Beijos mil,
Adri.