segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Adeus Jujuba 01/03/2007 a 16/01/2016

"Quem inventou o amor?", fico me perguntando todos os dias há alguns meses.
Que ebulição mágica e nefasta é esta que nos faz o sangue ferver, que aumenta a nossa temperatura corporal e que, quando termina, nos precipita aos infernos da alma. Porque ficamos viciados neste sentimento, todo controverso, cheio de necessidades e exigências, que nos aparta da razão.
Logo eu, que tento fugir disso todos os dias da minha vida porque fui feita em forma errada, devota em excesso desse tal de amor e lançada a um mundo que desconhece ou se anestesia diante dele.
Então, vou contar a nossa história: o meu encontro com a Jujuba, que vocês conhecem acima, numa foto tirada há duas semanas.
Em 2007 recebi, em fevereiro, uma restituição do Imposto de Renda- que tinha o hábito nefasto de me pescar com a malha- e decidi, sem qualquer consulta ao futuro "pai" da Jujuba que a teria.
Ele chegou em casa e disse: "Henrique, vou comprar uma cachorrinha. E será Maltês".
Aqui sou obrigada a fazer uma breve pausa. Aos que me acompanham, já sabem da minha devoção explícita e quase obscena a Eça de Queiroz, em especial à obra que considero a síntese máxima de tudo que ele produziu: Os Maias.
Recebi este livro dos meus tios Fátima e Silvério, edição de luxo, vermelha e dourada, diretamente de Portugal, quando fiz oito anos. Não avancei muito, apesar de adorar a leitura, mas não o perdi de vista. E fui tentando até que, já com dezesseis anos, imergi naquele enredo cheio de personagens bem construídos e que alterou para sempre a minha percepção literária.
Pois bem, a cadelinha da personagem principal Maria Eduarda da Maia era uma Maltês, que atendia pelo nome de "Niniche".
Aqui no Brasil nunca havia visto um Maltês. Sabia o que Eça me contou: branca, pequena e linda.
Os anos se passaram e com a internet descobri que a minha paixão- e a de Eça- pela raça não era infundada. Eram fofas, de olhar meigo, alvas como a neve.
Voltando à restituição, realizaria meu sonho com anos de atraso. Não pelo dinheiro, mas para transmutar o martírio da malha do IR aqui no Brasil em algo belo, num sonho realizado- tenho o hábito de transformar dinheiro "ruim" em algo bom.
Fui ao Kennel Clube do Brasil, pedi a lista de criadores referenciados e partimos rumo à uma longínqua área aqui no Rio de Janeiro.
As duas femeazinhas haviam nascido há trinta dias e cabiam em uma das mãos. A mim foi oferecida a irmã da Jujuba. Mas quando eu a vi, senti em cada célula que não era ela. Não mesmo!
Insisti para ver a outra e a criadora disse: "são iguais!"
"Se incomoda se eu a vir?" e quando ela chegou meu coração disparou, meu corpo se aquietou e senti que tinha chegado a algum lugar já conhecido: "esta é a minha Jujuba!". Tinha um leque de pelos ao redor do focinho que quase tampava a mísera visão de um filhote com trinta dias de nascido mas era tão minha... Toda minha! E fui fulminada por este sentimento chamado AMOR. E à primeira vista! Henrique suspeitou:"Adriana, tem certeza que elas ficam iguais as das revistas que me mostrou", dando um olhar digno de Sherlock Holmes.
"Tenho! Elas são filhotes ainda" e eu extasiada, vendo sem tocar.
Voltei para casa exultante, tendo ao meu lado um marido ainda desconfiado como se fossemos comprar "gato por lebre".
Cheguei saltitante, como criança de oito anos, contando em detalhes para a minha mãe- futura avó- como era liiiinda a nossa Jujuba "Não é, Henrique?"
E ele, cortês, dizia o "é" mas extraordinariamente inseguro da humanidade. mas tanto me fazia. Vinha aí a NINICHE.
Freia tudo! NINICHE NÃO recusado por dois votos contra o meu. Democracia é isso...
Henrique sai com uma pérola: se fosse macho, seria Chokito (igual ao chocolate). Como é fêmea e pequena, JUJUBA.
Ai que brilhante! Desde o primeiro instante a pequena filha se entendeu como Jujuba e foi a melhor escolha possível.
Daí para frente vou pular a história, porque é amarga. A minha filhota acabou sendo vítima da criadora e de veterinários incompetentes que levaram a uma hepatite medicamentosa, o que cortou o potencial que ela teria.
Mas, entre quase mortes, muitas noites sem dormir, fortunas gastas com ela descobri o talento desta minha filha- e o digo porque o sinto, porque realizei o que muitas mães não o fazem- em SOBREVIVER. E contra todos os prognósticos ela venceu a morte juntamente conosco várias e várias vezes até que, neste sábado dia 16, depois de ter sido tomografada e atendida pela ótima equipe que encontramos ao longo deste período, ela se recusou a ir e, já em sofrimento, no meu colo- sim, porque minha filha não faria a passagem num local frio e desconhecido- olhava para mim, mal conseguindo respirar e conversamos longamente, sobre tudo, dede o primeiro dia que narro para vocês, às muitas mordidas que levamos- porque era miúda mas causava medo quando não queria obedecer- o quanto gostava de sentir o cheirinho da brisa que vinha da floresta, e o quanto nós a amamos. Muito.
E como era seu hábito, me olhava. Olhava-me dançando. Olhava quando me arrumava para dar uma simples saída até ali. Dormia, já no final- sem que soubéssemos sê-lo- embaixo da minha cama na direção do meu travesseiro.
E pedindo que ela me atendesse e dormisse, largasse o corpo que não lhe foi digno da luta nem da personalidade, quase se foi por quatro vezes. E voltava...
Para continuar me ouvindo cantar, narrar nossas aventuras, chorar até que, fui interrompida. A veterinária disse que ela já estava em sofrimento. Tive que dar a ordem mais dolorosa até hoje... Sacrificar por amor quem se ama. Dar a liberdade quando se quer ter por perto. Deixar ir... Tudo por amor a ELA.
E assim foi. No meu colo, cercada pelo pai e a equipe- que chorou. Enfermeiros, veterinária, recepcionistas, banhistas e até a faxineira, todos esperaram por ela até o final, ultrapassaram em muito seus horários e ficaram até o fim, inconsoláveis, descontrolados pela mão do destino que em uma semana mudou tudo e se perguntavam como aquilo foi acontecer se ela estava bem. O inexorável...
A vovó dela se despediu antes, porque está muito doente e as duas sempre foram muito afinadas em tudo.
Hoje posto para vocês, com a alma estilhaçada, com as lágrimas as quais não tento mais deter, um dos momentos mais difíceis da minha vida. Compartilho o meu sofrimento, mas acima de tudo, declaro o meu amor. Um amor infinito.
Talvez alguns digam: "mas isso tudo por uma cachorrinha?"
Ao que eu respondo, antecipadamente: "pobre de ti, que não sabe o que é o amor. O amor não escolhe cor, forma ou momento. Ele chega de assalto. E quando se vai, leva de ti uma enorme parte, deixando para traz o aroma dos momentos vividos. Pobre de ti que não tem um grande amor para chorar. Eu tive".
Um minuto de silêncio...