domingo, 23 de junho de 2013

A sogra e o seu "coiso"

Cremildo era um homem de seus quarenta e muitos anos e morava numa casa modesta, na periferia de uma grande cidade. Suas felicidades eram o forró, a cerveja e o chamego com a esposa.
Esposa não! Sua M U L H E R, que era assim que ele preferia se referir a dona Sueli, mulher volumosa e cheia de fogo, ao ponto de Cremildo apelar para garrafadas e ovos de codorna para dar conta do fogaréu que existia naquele corpo roliço e sinuoso.
A vida ia assim, ao som de forró e sexo selvagem- quando as crianças dormiam, é claro- e Cremildo era o homem mais feliz do mundo. Tudo valia a pena para chegar à casa e encontrar a família reunida e a Sueli terminando o jantar, com o suor escorrendo por entre o reguinho dos seios.
Certa noite, mal o Cremildo havia posto os pés em casa e recebeu, como uma bofetada, a notícia:
" Mô! Mamãe chega semana que vem", com aquele tom de voz que não permite contestação.
" Poxa, Sueli. Isso é jeito de me dar uma notícia dessas! É como notícia de morte: tem que ser devagarzinho...".
Sueli olhou para o marido com olhos flamejantes, quase arquitetando uma forma de incorporá-lo ao ensopadinho.
Cremildo, que não é besta nem nada, deu um sorriso amarelo e disse o famoso "brincadeirinha", que é a saída mais manjada que todo marido usa quando é flagrado nos seus intentos.
O jantar transcorreu num silêncio que até os dois filhos do casal fizeram coro, com medo que alguma das deles tivesse sido descoberta. Durante a lavagem da louça, o Cremildo se apoiou na pia e perguntou: "Morzão, por quanto tempo a minha querida sogra ficará aqui?", com tom melodioso e...falso!
Ah, foi a gota d'água e Sueli incorporou uma Tsunami na alma: jogou em cara que o pai dele era cachaceiro, que aturava os pedidos de empréstimo do cunhado - que nunca pagava nadica de nada- que a sogra tinha o hábito de criticar a educação que ELA dava aos próprios filhos, e por aí foi, lavando os pratos, pingando suor e lágrimas.
Cremildo ia secando a louça em silêncio, como quem teme pela própria vida. Pensou:" deve ser a tal de TPM. Ou seria PEC 33, 37? Sei lá, uma dessas coisas que ataca as mulheres e deixa os homens assim, sem reação. Existe delegacia de proteção aos homens?", isto tudo num emaranhado de pensamentos, sem conseguir se fixar em nenhum deles e ia juntando a louça para guardar no armário.
" Ponho onde, morzão?!"
" Ai, coitado! É a primeira vez que você guarda uma louça aqui é?! Tá pensando que eu sou escrava?!" e nova torrente de reclamações veio como avalanche sobre o Cremildo que, espertamente, fingiu uma falta da zagueira Sueli e saiu de campo contundido.
Foi dormir e sonhou. Sonho não! Pesadelo!
Estava ele num ambiente sombrio e cheio de fumaça. Sentia o chão em brasas e viu muitas pessoas amarradas, sendo chicoteadas e outras rindo do sofrimento delas. Foi andando e chegou a uma sala enorme, lotada de móveis e viu o demônio em pessoa. Era meio vermelho - lembrou-se do Godofredo quando ia à praia e só voltava à noite, que nem um camarão- e deu uma risadinha.
O tinhoso se alterou e numa voz rouquenha, porém altíssima, perguntou:
" Quem és tu, mísero mortal?"
" Sou o Cremildo, senhor", segurando entre as mãos o chapéu que usava no forró.
Xi, o cara vermelhão se enervou com a palavra senhor e soltou um urro que jogou o Cremildo contra um dos móveis.
O coitado, ao se levantar, observou um paninho bordado, do jeitinho que a sogra havia ofertado ao casal por ocasião do casamento com a Sueli.
"Estranho..."
" Que Cremildo?!"
" Olha só, eu fui dormir direitinho, na minha cama e acabei aqui. Eu sou o marido da Sueli, aquela boazuda- para ele era!- foguenta... e Cremildo começou a se lembrar do que os dois faziam e mudou o olhar para o capetildo, que deu outra baforada para o moço voltar ao normal.
" Pois é, seu coiso, eu vim aqui não sei porque mas acho que é o inferno, né?! Tô devendo umas contas na quitanda e na padaria mas acho que não era suficiente para vir parar aqui!", com certa indignação na voz.
" EU chamei você!"
" Ué? Me chamou por quê?! Olha, eu até faço serviço de bombeiro gasista, mas aqui no seu estabelecimento a situação vai ser difícil de resolver porque a gente tem que saber da tubulação, por onde ela está... O senhor tem uma planta baixa para facilitar?! Outra coisa, seu coiso, o senhor tem como me pagar? Por que a Sueli é muito metódica com dinheiro e não deixa fazer fiado nem para os amigos e eu...." e antes que terminasse a "prosa" o coiso se irritou e bateu o pé no chão com tamanha violência que o rachou.
" Xiiii, vai sair mais caro o conserto, seu coiso. Eu conheço uma psicólóga, lá do colégio dos meninos que podia ajudar o senhor a lidar com essa raiva. Tem que extravasar de maneira "c o n s t r u t i v a", é o que la diz. Já pensou em fazer um exercício?! Hidroginástica, na sua idade ia cair bem porque não força os joelhos!"
O tinhoso já estava cansado, com a cabeça entre as mãos com todo aquele falatório e com a repetição da palavra SENHOR tantas vezes.
" Cremildo. Eu necessito que você leve a sua sogra para a sua casa. De verdade!", deixando correr uma lágrima pelo rosto vermelho.
" Por causa de quê eu vou ter que aturar a velhota se nem você a quer?! Tá pensando que sou trouxa?!"
" Desde que ela chegou eu não tive mais paz, Cremildo. Ela mudou a posição dos móveis, botou paninho com crochê em cima de cada um deles, com os dias da semana escritos, resolveu que eu tinha que tomar dois banhos por dia porque meu cheiro era de enxofre e, pior, exigiu que eu pusesse desodorante, porque alegou que meu suor era "ácido". Não estou aguentando, amigo"... com uma carinha de mágoa verdadeira.
" Vou quebrar um galho, coiso. Eu recebo a coroa e você se compromete a tirar ela lá de casa. Feito?!"
" Trato feito."
Cremildo acordou estremunhado. Suou o travesseiro ao ponto da esposa acordar pensando que ele estava com febre.
Lembrou-se do sonho estranho e riu de si mesmo, com tantos disparates:"o que uma sogra não faz com a gente", pensou bem baixinho, porque Sueli era capaz de ouvir até pensamentos.
No dia seguinte tocou o telefone:
" Oi mãe! Como vai a senhora? Hum... O quê? Nãoooo.... Sério?! Nãoooo! Como pode ter acontecido isso?", e o Cremildo esfregava as mãos pensando na maior catástrofe com a velha: caiu no banheiro, está com furúnculo na bunda e, para melhorar as coisas, ficou presa dentro de casa porque a porta emperrou! É a glória!
Quando Sueli desligou, o macho do Cremildo fez um rostinho de aflição, todo vertido para a Sueli:
" Oi, Morzão. Que aconteceu com a velh... sua mãe?"
" Rapaz, quando eu acho que já vi de tudo, acontece mais uma. Minha mãe me liga dizendo que não vem mais porque, andando na praia, conheceu um parrudo moreno e os dois vão ficar juntinhos o final de semana e, quem sabe, fazer uma viagenzinha. Pode?!"
" Claro que pode, Su! Ela é sua mãe mas é mulher e tem todo o direito de ser feliz."- e ele também!-" Você está muito retrógr...retrógr...ultrapassada!"
" Mas o cara tem idade de ser filho dela?"
" Tá super na moda. Deixa a velh...a sua mãe ser feliz."
E não perdeu tempo. Pegou a Sueli entre os braços e jogou a louça do café da manhã no chão e foi ali mesmo, na maior felicidade. Ainda bem que as crianças dormem pesado.
Ah? Vocês querem saber se foi coisa do seu "coiso"?! Sei lá, mas se foi, até ele está se regenerando!
Beijos mil,
Adri.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

A macharada no primeiro encontro.

Meus amados "Sundaes".
Sei que os pedidos foram muitos - e insistentes- para fazer as "dicas" na versão Testosterona. Demorou, mas chegou!
Apesar de ter convivido com poucos meninos na minha infância, fui cursar Direito aos dezesseis anos e, naquela época, ainda havia uma predominância masculina e aproveitei para ser a melhor ouvinte desses adolescentes/amigos que, para mim, contavam quase tudo.
De ignorante quanto ao pensamento masculino passei à melhor amiga deles- graças a Deus!- e a vida se tornou um laboratório. Um mundo desconhecido e maravilhoso se descortinava a tal ponto que me habituei, em muitos momentos, a pensar "como os homens" para tomar as decisões corretas. Explico-me: em sendo sentimental, muito menininha- do tipo que brincava com bonecas e NUNCA jogou futebol- passei a decidir com muito mel e pouca racionalidade. Resultado: tombos e muitas cicatrizes.
Hoje procuro temperar a minha vida e trazer de cada um desses dois universos o melhor que aprendi.
Portanto, leiam sem medo, porque quem vai lhes "falar" é a "melhor amiga". E tenho dito.
1) A mulher escolhida.
Antes de qualquer investida, observe se a sua musa realmente está interessada em você. O corpo fala e as mulheres tendem a ser mais risonhas com homens que as interessa.
Mexer nos cabelos enquanto fala com você é outra boa dica. Observe se a escolhida não tem isto como um tique nervoso, hein?! Neste caso significa que ela precisa de um neurologista.
O toque durante a conversa também é muito significativo do interesse feminino: é um encostãozinho  rápido num braço, um tropeço em seu pé, coisas desse tipo. Atenção: há mulheres que são desastradas. Neste caso, amigo, atente-se para os outros indícios.
2) O convite.
Por favor: não mande recadinhos por amigas. Qualquer mulher ODEIA homem frouxo.
Se você é adolescente, até vale. Mas adulto, jamais!
A fase adulta traz consigo algumas obrigações e, dentre elas, a de ter credibilidade. Um homem perde pontos, que ainda não conseguiu, se utilizar das amiguinhas da musa para um encontro.
Seja direto, sem ser rude. Observando que há possibilidades de reciprocidade, vá com gentileza até a mulher pretendida e pergunte se ela estaria interessada em um almoço ou jantar, ou mesmo um passeio em local público, como um ponto turístico bonito.
Em relação a estes lugares, escolha aqueles que não sejam muito tumultuados ou barulhentos. O seu objetivo é a conversa e conhecimento mútuos.
Vetado marcar um jantar pensando no motel depois! Se a mulher for do tipo mais emocional, perdeu o jogo aí.
Deixe as coisas fluírem e, se rolar no primeiro encontro, deixe que ela demonstre essa possibilidade, mesmo que subliminarmente. Mulher alguma gosta de ser tratada como 3 quilos de carne no açougue, ok?!
Lembre-se também que, caso dê certo, estas serão as bases da sua história e, desde que mundo é mundo, mulher perdoa mas não esquece!
Caso a resposta seja um não ao seu convite, relaxe. A vida é um alvo em que disparamos diversas tentativas. Umas são perdidas, outras acertam em cheio. Demonstre altivez e educação, agradeça pela atenção e retire-se, sem qualquer drama ou cara feia. Você é um homem e não um menino caprichoso!
3) O vestuário.
Como saliento em qualquer consultoria, ADEQUAÇÃO é a palavra chave para quase tudo.
Convém escolher o traje na proporção do local escolhido e da programação. Assim, se for um jantar num restaurante mais luxuoso, pergunte antes ao maitre se o restaurante exige terno. Neste caso, sapatos em bom estado e engraxados.
Caso não exija, uma camisa social com calça de alfaiataria, acompanhadas de um blazer irão bem a calhar. Use perfume masculino- há homens que preferem os femininos- sempre! Mulher quer sentir o odor de um homem e não o perfume de uma amiga!
Atenção: o perfume deve ser em pequenas doses, distribuídas atrás das orelhas, nos pulsos e no centro do peito.
Dica de ouro: dê uma borrifada à sua frente e entre na nuvem de perfume. Você perfuma o seu traje sem ser exagerado.
Não use mais nada com aromas porque você corre o risco de virar um emaranhado de odores.
Aliás, ótima dica: opte por desodorantes sem perfume e uma loção de barba levíssima.
E, é claro, muita higiene. Unhas cortadas e polidas, barba feita- ou aparada- e cabelo cortado.
Se você os têm longos, lave-os, seque-os e PRENDA-OS num rabo de cavalo discreto. Você não pretende ser uma top model tirando a mecha que cairá no seu rosto, certo?!
Caso a programação seja descontraída ou ao ar livre, mais fácil ainda: se você está no inverno, uma calça jeans e uma camisa básica funcionam bem com qualquer agasalho. Detalhe: tudo LIMPO!
Incluindo o calçado a ser usado, que deverá estar preparado com spray desodorizantes contra eventuais maus cheiros nos pés. Vai que você tenha que tirá-los?!
Caso você more em país tropical, facilidade plena: se o dia estiver ótimo, basta uma bermuda e uma t-shirt ou camisa pólo, tudo em bom estado e LIMPO. Um sapatênis resolve o calçado, permitindo estender o programa até para um cineminha, sem fazer feio. Se as condições climáticas não estiverem favoráveis, vá de jeans e mantenha o restante. Pode ser um jeans mais moderno, stonado. Rasgado nem pensar, mesmo que seja de uma grife caríssima. A grife funciona para os que entendem o seu preço e não para todos.
As pessoas vão vê-lo- e a sua musa- mas não a etiqueta do preço pago. Adequação!
4) Seja você.
Amigo, nada mais horroroso do que alguém que tenta impressionar.  Seja absolutamente o que você é! Ela deve gostar do seu jeito de ser e não de um personagem inventado, que não sobreviverá ao contato mais cotidiano.
Claro que não precisa ser com a sinceridade que você usa para os seus amigos de futebol ou do trabalho. Ela é MULHER e deve ser tratada com as diferenças necessárias. Seja fiel aos seus valores e conceitos de vida e tudo correrá bem.
Caso dê errado, sem traumas. Ela era para outra pessoa e a sua fila vai andar, até achar a mulher que vai adorar as suas piadas ou o seu aparelho dental.
5) Olhe nos olhos
Deixe de lado a timidez- se for o seu caso- e olhe nos olhos. Isso dá temperatura ao encontro, aquece os hormônios e dá o termômetro do que está acontecendo entre vocês.
Lembro-me de um caso que a musa, em questão, ficava enjoada com o hálito do interlocutor e foi fim de jogo.E só do sujeito falar!
Então, olhe nos olhos desta mulher e a tome para si no OLHAR. Homem com"pegada" dá o bote no olhar.
Se puder e a ocasião permitir, vale a mão posta sobre a dela e a famosa tentativa de "falso beijo".
Explico-me: Você beija para cumprimentar e "erra" o alvo, acertando o canto da boca da musa.
É clichê, mas quem sabe dá certo a empreitada?!
6) Pague a conta.
Tenebroso este hábito de rachar conta no primeiro encontro. Ofensivo!
Se você convidou, tenha situação para arcar com o passeio sugerido. Caso a sua situação financeira esteja no prego, opte por programações culturais gratuitas e seja feliz com um hot dog ou sorvete. Mas escolha alimentos de boa procedência, mesmo que simples e PAGUE-OS.
Para os abonados, esqueça a tendência a embebedar a musa. Ridículo.
Questione se ela bebe e o que bebe. Deixe ela indicar o que deseja e faça o pedido ao garçom.
Muitas bebidas caríssimas são odiadas pelas mulheres em geral.  Caso ela beba e não esteja a vontade para o pedido, tome à frente e sugira um drinque moderno ou- se não for a sua praia- peça uma sugestão interessante ao barman, na frente da sua escolhida. Assim você demonstra a sua atenção aos desejos dela e se entrosa um pouco mais. Ponto para o time dos meninos!
Observação: questione sobre eventuais alergias aos produtos contidos nas bebidas. Você não pretende terminar a programação num hospital.
7) Leve-a em casa.
É educadíssimo um homem levar a sua convidada no retorno à casa, mesmo que o encontro não tenha sido o pretendido, almejado ou que a musa não tenha se encaixado com você.
Seja elegante e termine o que iniciou. Saia como um lorde e a sua fama de homem educado irá percorrer, inclusive, até as amigas dela e...quem sabe lá estará a sua nova musa?!
Macharada, até chegar aos "finalmentes", onde somente o casal decide o que fará entre quatro paredes, há uma escada social a ser percorrida. Não fique indignado com isso! É a fórmula do sucesso com as mulheres de qualquer país e idade.
Sabem por quê?
Porque todo mundo, sem exceção de raça, credo ou nacionalidade reverencia quem o trata com educação e gentileza. Até você que me lê!
Sucesso em todos os seus encontros, sejam afetivos ou profissionais.
Beijos mil,
Adri.








terça-feira, 18 de junho de 2013

As donas da bola

Elas eram gêmeas e, como diria... mimadas.
Filhas de uma ninhada, na qual o pai era um portentoso microempresário, foram criadas em colégio católico e tudo, exatamente T U D O era permitido a essa dupla.
Tinham poder de vida e morte sobre as colegas e ai daquelas que não as adulassem: seriam vetadas de todas as convocações de jogos intercolegiais.
Claro, elas eram as donas das bolas e tinham em casa uma quadra, que o papai mandou fazer para que todos os seus rebentos pudessem treinar e se tornar, cada qual a sua vez, os "donos da bola" e terem os seu asseclas.
Pois é, a maioria seguia o curso do rio e compreendia normal o comportamento de humilhações e vassalagem imprimido por Medeia e Medusa.
Até que, num certo momento enevoado da nossa história, entra em cena Carmem, uma menina como outra qualquer, sem grandes objeções mas com grande espírito de honra. A novata não se submeteu aos caprichos das irmãs e, por sorte, foi execrada e se uniu a umas poucas que, como ela, não se submeteriam. A ninguém.
Furdunço no colégio católico, pois o campo de batalha era  montado a cada aula de Educação Física, a cada torneio intercolegial ou mesmo, interclasses.
Eram dispensadas, sumariamente, mesmo que seus dotes físicos para o jogo fossem superiores aos das "donas da bola" e sua gangue.
Enfim, o desprezo dominou o coração de algumas e o ódio, de Carmem.
Os anos se passaram e as gêmeas se tornaram uma pálida lembrança, mantida em brasa mansa que, a qualquer momento, reavivava o fogo da humilhação e o pranto seco como o solo do sertão. Carmem não se permitia chorar e aprendeu a sorrir diante das maiores provações.
Por uma questão moral, devo advertir que Carmem não era uma heroína. Era um ser humano indignado diante da injustiça. E quem não procedeu assim alguma vez na vida, não é?!
Adiante com o nosso conto, a vida afastou todas até que, num dia de sol, encontram-se em terreno misto.
Carmem, já casada e bem sucedida, vacinada contra criaturas como as gêmeas Medeia e Medusa, chega à festa com o marido, linda e autossuficiente.
Repentinamente seus olhos negros encontram os olhos de ambas que, auge da glória, observa o baixar de cabeça de uma delas: Medusa.
Medusa, já mais velha e alquebrada pelo tempo, viúva de marido vivo, cuidava do rebento fruto de muitas tentativas. É... nessas questões o dinheiro do patriarca não fez muito efeito.
Porém, Medeia aproximou-se, como se nada lhe afligisse a alma e Carmem pensou consigo que deveria ter se vestido com outra roupa, mais devastadora.
O marido a acalmou- já conhecia o sucedâneo de situações- e ambos receberam a convidada pálida de esperanças.
Após uma conversa que não diz a que vem e apenas segue o protocolo social -onde Carmem desejava ardentemente estar a bordo de um vestido vermelho- Medeia se incendiou ante a fluência de ideias do marido de Carmem. A "dona da bola" voltava à tona...
"Dessa vez não!", pensava Carmem. Já ia longe a infância e a proteção que as gêmeas obtinham no tal colégio de freiras.
Pensou em arrancar-lhe o coração, como nos filmes B, que ainda batendo em suas mãos, seria lambido e oferecido a algum deus pagão. Muito dramático...
Passou para a ideia de colocar, furtivamente, um dos pés à sua frente e dar-lhe o maior tombo da história. Também não foi possível, porque ela não se levantava, nem mesmo quando o filho de nove anos pediu para brincar no pula-pula para crianças de até quatro anos.
Carmem sacudiu os cabelos, tomou o marido pela mão e saiu daquele local, despedindo-se levemente alegando um outro compromisso.
Já dentro do automóvel, Carmem ofegante, pálida de ódio, iniciou uma sequência infindável de ira infantil, remontando todas as histórias vividas ao lado das duas.
O marido, plácido e internamente divertido com a situação, apenas a advertia: " Carmem, meu amor. Você tinha dez, onze anos. Já se vão vinte anos!"
" Eu aturei essas duas mais tempo que isso, José. Além do que, cada segundo de tortura e injustiça equivalem a horas!!!", já aos berros dentro do carro.
" Está bem, está bem. Qual seria a sua medida de vingança?"
" Sei lá! Qualquer coisa é pouca para estas duas!", dizendo isso já com a boca seca.
" Para você não basta a mulher estar biruta, horrorosa, chupeta das ideias. Deveria estar capenga, com o olho caído, a boca torta, arrastando o sapato furado..."
" E com o coração saindo pelo peito, caindo nas minhas mãos!".
" Então ficamos com esse final. E você estaria satisfeita se a visse assim?"
" Estaria...", sem muita convicção, porque ao ver a possibilidade se tornar realidade tornou-a pequena diante das injustiças sofridas.
" Você está linda- e qual marido seria macho de dizer o contrário nesta situação?- é bem sucedida e EU estou com você. O marido delas não veio!"
" E ela ficou extasiada com você", lançando um beliscão no coitado.
" Ui, mulher! Quer bater em alguém, a gente volta para a festa e você senta o braço nas irmãs doidonas".
E Carmem saiu do ataque estourando em uma gargalhada que contraiu a barriga e distendeu a tensão do dia.
Foram para casa e riram muitos dias à frente sobre o incidente com as "donas da bola", mais murchas que nunca.
Beijos mil,
Adri.