segunda-feira, 21 de abril de 2014

A bunda da sorte

Epaminondas estava num daqueles dias difíceis que todos nós já enfrentamos em algum momento da vida. Pegou o vagão do metrô logo após ter sido demitido do emprego. A esposa o deixara por um segurança parrudo havia dois dias e, sobre a mesa, como o espólio de um casamento de sete anos, uma conta de luz vencida- e não paga- e um bilhete, escrito às pressas, com letra corrida, dizendo lamentar o fato mas "que o amor tem dessas coisas". Terminava assim, com um clichê digno de bolero de quinta categoria.
O locador da casa ficou sabendo do final do casamento e, muito sensivelmente, resolveu retomar o imóvel, alegando que "casa de homem solteiro é um perigo" e que ele, Epaminondas, teria sessenta dias para sair. Sentia-se no meio de um Tsunami sem fim e sem qualquer tábua de salvação para se agarrar. Não chorou uma lágrima sequer. Estava seco, estéril.
Bom, dentro do metrô permanecia inerte, com as mãos entre os joelhos abertos, olhando a conta de luz vencida quando, repentinamente, foi sugado por uma imagem incomodativa: uma bunda que mastigava um vestido florido.
Já viram aquelas mulheres que se levantam e não tem a noção de dar uma puxadinha, de leve, na barra do vestido para garantir a situação?!
Pois foi o caso daquele dia. Uma senhora em idade bem adiantada de uso havia conseguido um lugar graças à moça do vestido e, na troca de posições no metrô que ia lotando, esqueceu-se da "puxadinha".
Valei-me São Jorge! O Epaminondas ficou incomodado com aquela bunda, mastigando bem ao centro várias inofensivas flores, que pareciam pedir-lhe socorro. Num ato de extrema criatividade, o coitado resolve dar um jeito: jogaria a conta no chão e, ao pegá-la, puxaria a barra do vestido comprido. Seria rápido e a moça em questão sequer perceberia, de tão entretida com os fones de ouvido e as redes sociais, tentando se equilibrar no vai e vem do trem.
Quando o Epaminondas jogou a conta só percebeu um encontrão, vindo de um sujeito mal encarado que o observava do canto do vagão:
"Qualé, malandro!"
"Como, senhor?", de joelhos, olhando para trás e pegando um papel no chão da composição.
"Senhor pras tuas negas, rapaz. Tô de olho na tua ideia! Só na olhada da buzanfa da moça, desde que entrou aqui".
"Eeeeu?!", gaguejando de forma comprometedora.
"Tu mermo. Tua chapa vai esquentar, malandragem, que não gosto de tarado do metrô. Sou homem macho, mas tenho irmã, mãe e, se uma delas encontra a tua pessoa, a tua pessoa vai ficar olhando pra buzanfa sagrada delas e eu não vou gostar nada, nadinha mesmo."
"Senhor, não estava olhando essa tal de buzanfa, aliás, não consigo olhar nada nem ninguém. Eu só ia..."
"Tava olhando e muito. Só não associou o nome à "pessoa", sacou?! Olhou ou não olhou para o carro alegórico da moça?"
Aí é que o Epaminondas aterrissou, mas não teve tempo de se explicar. O sujeito macho deu-lhe outro safanão que o coitado saiu esbarrando nos coleguinhas de vagão, que a essas alturas, já estavam adorando a situação, mas não por muito tempo: uma gorda caiu sobre uma embalagem de torta, daquelas com calda e merengue. A magrela que carregava a torta danou-se a chorar- repetia cansativamente "o que eu digo para os colegas que deram o dinheiro?"- uma criança enterrou o sorvete nos peitos de uma gostosa- aliás, não é permitido sorvete nos vagões. Como é que ela conseguiu passar?- um tarado (este sim, de carteirinha),  se colocou à disposição para limpar a gostosa, e o Epaminondas tentando se livrar do sujeito.
Pior é que a causadora do sururu saiu na estação seguinte, alheia ao que acontecia atrás dela, mas muito focalizada no incrível e animado universo virtual.
Todos foram gentilmente conduzidos à delegacia de polícia pelos seguranças do metrô: a criança pedindo outro sorvete à mãe, a gostosa sendo atendida pelo tarado, a magrela no chororô do dinheiro e a gorda com o derrière todo tatuado de fios de ovos e creme de Chantilly.
Ah! Claro que no cortejo estavam o Epaminondas e o sujeito que o havia encalacrado todo: o primeiro segurando um papelzinho entre a mão e o segundo, segurando um chumaço do cabelo do Epaminondas.
Na delegacia, todos reunidos inclusive os condutores do metrô faziam da vida do delegado uma sucursal do inferno. O falatório não parava, ninguém respeitava ponto ou vírgula e dizem que tinha gente ficando roxa porque nem para respirar estava parando de falar.
Depois de alguns minutos tentando colocar ordem, a "autoridade" bateu com um cassetete sobre a mesa:
"SILÊNCIO JÁ! Eu não estudei tanto para tomar conta de hospício!"
E não é que o pessoal fez silêncio mesmo?!
Ouve daqui, dali, o Epaminondas explicando o caso da bunda que comia o vestido, o sujeito dizendo que ele era um tarado e que pra bunda da mãe dele ninguém olharia- mas ela não estava no metrô!- o delegado chegou a conclusão que era melhor advertir todo mundo e esclarecer para o Epaminondas que, da próxima vez, era melhor mudar de lugar.
Na saída, a gostosa já estava dando o número de telefone para o tarado, a criança negociou com a mãe e comprou um saco de pipocas- era mais seguro- a magrela ia levar a gorda para a faculdade como prova dos fatos e o Epaminondas recebeu do sujeito uma olhada ameaçadora.
Coitado... Encolheu-se ao lado do portal de saída, ornado com umas pedras coloniais e abriu a mão para ver se restara ao menos o código de barras para pagar a luz.
Quem está sem sorte é fogo. Em vez de pegar a conta o Epaminondas pegou um jogo de loteria, com algumas dezenas marcadas. Pensou consigo: "puxa vida, além de tudo vou ter que comprar velas".
Ao olhar o número do concurso percebeu que o sorteio das dezenas seria naquela noite, mas não deu muita importância, já que sua maré estava baixa e sem peixes.
Chegou à casa, murcho, cansado, ligou o interruptor e...ainda havia luz! Ligou a TV e, no intervalo do telejornal vieram as dezenas.
Quando olhou para o papel amarfanhado percebeu que havia sido o ganhador. Único! Prêmio acumulado há seis semanas.
Pois é, caros leitores. A sorte do Epaminondas mudou de vez e hoje, a bordo do seu iate de muitos pés- mais do que uma sapataria- reflete enquanto come caviar e bebe Champanhe: "que pé de coelho nada. Eita bunda pra me dar sorte!".
Beijos mil,
Adri.

2 comentários:

  1. Adri,

    Ri muito! E mais! a sua descrição da cena no metro está tão bem feita, que estava a ler e a imaginar a cena! muito bom (como sempre!).
    Parabéns!

    Beijo
    Lúcia

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    Respostas
    1. Oi, Lu!
      Maravilha você ter rido muito. Este é o meu maior presente! Vou contar um segredo: eu vi essa cena e imaginei o coitado do "Epaminondas" e toda a história durante uma viagem no metrô. Para mim, também foi uma sorte! rsrsrs
      Beijos sempre repletos de saudades,
      Adri.

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