quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

A dama, o prícipe e o dragão.

A nossa história inicia-se pelo meio. Não haverá a descrição dos motivos.
Cada leitor que interprete ao seu modo e aceite, ou não, o final.
Em qualquer lugar do mundo havia uma dama. Uma dama comum, leia-se uma mulher mediana em conceitos, valores e comportamento. Por um motivo qualquer, estava encarcerada em uma masmorra minúscula, na qual o seu corpo continha e não era contido.
Como qualquer encarcerada, necessitava de um príncipe e lanço mão deste arquétipo para ilustrar e tão-somente isso, a figura do corajoso, do salvador.
Ele chega até a mulher e tenta uma, duas, muitas vezes extinguir o cárcere no qual a dama se encontrava e jamais conseguiu êxito em qualquer das suas tentativas. Em todas elas havia um impedimento e a mulher acabava permanecendo no cárcere conhecido há tantos anos, cercada por sombras e guardada pelo dragão. Flamejante, monstruoso, com asas gigantescas, vez em vez, invadia a masmorra da dama e a possuía com sofreguidão.
Até que, num dia como outro qualquer, o príncipe cansou e se foi para outra aventura libertadora.
A encarcerada permaneceu ali, inerte na sua solidão, avizinhada pelo seu dragão.
Os anos se passaram e o dragão feneceu em suas chamas e de suas cinzas formou-se a chave do claustro, que foi levada por uma brisa gelada até o cárcere ínfimo, no qual o seu corpo continha mas não era contido e permanecia.
Ao tocá-la de leve a mulher, numa crise histérica, chorou e a jogou na madrugada serena, repleta de sons e odores a ela desconhecidos.
E então, meus queridos leitores, como termina?
A dama permaneceu ali, no seu cárcere, aguardando um novo dragão ou um valente príncipe que a salve.
Beijos,
Adri.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Brasil X Inglaterra

Há situações na vida em que nos sentimos num campeonato. Principalmente, quando ainda somos crianças.
Ocorre que, durante uma viagem feita à Inglaterra, Oscar II, filho de uma família classe média com ares de superioridade, além do Big Ben só conseguiu ver a mão da mãe voando no pé da orelha:
" Está vendo, Oscar, que belezura este menino sentado à mesa ao lado? Que finesse! Quanta educação!", dizia Madalena, a mãe zelosa do Oscarzinho.
Queria um menino que usasse talheres de todos os tipos, preferencialmente em prata, para saber "como se portar quando se tornasse um D I P L O M A T A", dizendo isso com todos os dentes à mostra e um sorriso indecoroso de mãe alpinista e... falida.
Enfim, o menino sofria com beliscões por baixo da mesa, olhares que só faltavam cair boiando na sopa- Consomée! Ui!- e uns tabefes, muito "elegantes", vez por outra.
Neste dia, o "Segundinho" estava sofrendo, porque nesta disputa entre Brasil e Inglaterra o placar estava disparado a favor do time da casa. Era segundo até nisso...
O menino inglês, um lordezinho de séculos passados, sabia manejar os talheres, respondia à preceptora em seis idiomas- que assentia com a cabeça- falando sobre os pratos servidos e discutindo o cardápio com o mâitre como se fosse um grande conhecedor- tinha uns onze anos, no máximo.
Enfim, um chato de galochas. Aquele tipinho de criança que maneja muito bem o território dos adultos e se torna um mané quando se tratam de situações infantis.
A ciência os batizou de "espécimens estranhas nerdinossauros debiloides". E tenho dito.
Mas na cabeça loura platinada de Madalena, o moleque era o suprassumo da realeza infantil. Devia ter uma privadinha de ouro no banheiro da suíte e um mordomo para soprar-lhe a bundinha, logo após  uma duchinha morna e reconfortante.
O Oscar II passou a nutrir um ressentimento do inglesinho que foi aumento na proporção em que os pratos iam sendo servidos e- degustados! Aí era a perdição. O "Segundinho" era educado e tal, dava bem para o gasto, mas o "Lorde" era o gênio e aí, queridos leitores, era beliscão e aquele comentário maldito: " Vê se aprende alguma coisa com aquele moleque".
Queridos leitores. Sinceramente não entendo determinadas pessoas. Querem que os filhos sejam a nata da sociedade, mas não dão nem para o gasto! "Moleque"? Façam-me o favor!
Prosseguindo com o calvário no restaurante inglês e após muitos hematomas, o Oscarzinho suspirou quando percebeu que se aproximava a sobremesa e aí, ele batia um bolão. Era capaz de comer manga com garfo e faca sem sujar o guardanapo. A mãe se orgulhava em dizer isso para as amigas:
" Marinalva, minha filha, sabe que o Oscar II aprendeu a comer manga com garfo e faca?
" Não?????"
" Sério. E não é só isso. Está aprendendo sobre vinhos e taças. É..."
" Mas ele só tem dez anos, não é?"
" Aprenda uma coisa para ver se seu filho chega a algum lugar, Marinalva minha amiga- amiga?!
A gente tem que ensinar tudo o que for chique, para o filho deslanchar antes dos dezoito anos. Com dez anos está até um pouco atrasado, mas o professor, um tal de "Sommelier", acho que é esse o nome dele- se não for é Sandro, enfim, ele disse que o Oscar II está indo bem nas aulas.
" Sommelier?"
" É! Sei que o nome é com "S". O que atrapalha um pouco é a asma que o coitado tem, diminui o olfato mas eu vou dar um jeito nisso."
" Como, Madá?"
" Vou fazer uma operação no nariz, rino...rino..., enfim, uma plástica na nareba do moleque e vai queimar as carnes lá dentro. Um espetáculo!"
" Ah, mulher! Vou fazer isso no Segesmundi"
" Sabe que até hoje não me conformo com este nome. Não entendo porque colocou um nome tão estranho, com tanto nome bonito no Brasil: Washington, Michael- igual ao "Jackson"- Wallace..."
" Você, amiga, às vezes é meio ignorante, com todo o respeito. Segesmundi Froidi foi o "Pai" da Eutanásia".
" Eu sei! Só que não é nome B R A S I L E I R O!".
Entenderam o ritmo da mamãe exigente, não é?!
Pois então, na sobremesa o Oscar II deu um show! Fez tudo certo, limpou os cantinhos da boca com um leve toque do guardanapo de linho egípcio e o pousou ao canto do prato.
Ao olhar para o lado, para a mesa do seu arquiinimigo - durante a refeição o nível de rancor só foi aumentando- a cena que lhe valeu a taça de campeão: o inglesinho, todo pomposo, ao terminar a sua sobremesa em vários idiomas ... limpou a boca NA MANGA DA CAMISA.
E foi GOOOOOOOOOOOOOOOOL do Brasil!
Oscarzinho, numa redenção cor de roxo hematoma, dizia sem cessar para a mãe:
" Viu só! Foi na maaaaaaaaaanga!"
Mas de manga o "Segundinho" entendia tudo.
Beijos,
Adri.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

O corpo


Ela estava trêmula, apavorada. Via à sua frente mais um corpo morto. Tornou-se uma "serial killer" sem sequer saber como, mas era essa a sua condição atual.
Ligou para o marido, que estava no trabalho e com a voz em modulações, secamente informou-lhe:
" Matei mais uma".
" Já falei que só há uma chance: ligue para eles!"
" João Marcelo, isso NUNCA!"
E ele, sem compreender a esposa, que sempre fora ponderada e, agora, atrasava-se a qualquer compromisso para MATAR.
Não havia se casado com uma mulher assim. Ah!  Verônica era doce, meiga e seria incapaz de cometer um ato de violência contra qualquer ser vivo.
Chorou, quando tinha doze anos, ao ver uma pombinha com a pata machucada e chegou ao churrasco da prima em prantos. Além do frisson da cena,  as lágrimas deram uma esfriada no domingo de sol.
Enfim, quem vê cara... E os anos alteram muito as pessoas.
Verônica, de cabelos negros, tornara-se loura. Cortou os longos fios e criou um look moderno, com repicados.
Ficou ótimo e João Marcelo gostou, porém, juntamente com o exterior houve mudanças no interior. E nas mesmas proporções.
" JOÃO MARCELO!"- gritou Verônica, como se o acordasse de um sono profundo.
" Ah... Tô aqui, Vê".
" Então. Já disse que não ligarei. A questão é que sinto um certo nojo para retirar o corpo daqui.  Portanto, minta aí para o seu chefe e venha fazer o serviço sujo".
" Peraí. Não vou me envolver novamente."
"Você já está TOTALMENTE dentro."
" Eu sou a favor de ligar para eles. Dá-se fim a este suplício", num tom de lamento, de pessoa que não aguenta mais. MESMO!
" J  A  M  A  I  S!", insistia Verônica, obcecada.
" Desde que os Gororobas se mudaram do apartamento ao lado do nosso que você resolveu mudar suas atitudes. Quê é isso, mulher?!"
" Olha só, João Marcelo. Eu não estou perguntando se você QUER VIR. Eu estou ORDENANDO".
Amigos leitores. Este João Marcelo é um banana. Se a tal Verônica matou, ela que resolva o cadáver, ora bolas! Imagina se eu sairia do trabalho para um serviço desses? Hum!
Mas o "banana" atendeu. Disse para o chefe que a esposa estava no hospital porque caiu no banheiro- tudo de errado que acontece, até soco no olho, vira "queda no banheiro". Poderiam tentar, sei lá, por exemplo "caiu da cama". É coisa de velhinha mas, ao menos, é mais criativo- e iria prestar assistência.
Ao chegar à portaria do "Condomínio Cerejinha do Sundae", sentiu as pernas amolecerem. Não pela retirada do corpo, porque isso já fizera muitas vezes, mas por temer quanto à sanidade da mulher amada.
Colocou a chave na fechadura como quem desarma uma bomba e abriu a porta com o vagar de um jaboti manco. Pior: a porta rangeu.
Porque será que, quando mais precisamos de silêncio, algo estala, range, clica, o cuco resolve sair, enfim, essas coisas "sobrenaturais".
Quando eu era criança e tinha pesadelo, pegava o meu colchonete e fugia para o quarto dos meus pais. Penumbra - o quarto ficava em frente ao poste de luz- o cuidado de uma serpente e, pelos raios, algum osso do meu corpo estalava ou, pior, a Tati- minha pequinês fofa- resolvia reclamar por ter sido acordada. MAY DAY! MAY DAY! Eu paralisava tudo, até a perna no ar- eu entrava engatinhando- até ter a certeza que o campo estava dominado. O sinal era o ronco do meu pai. Barra limpa!
Voltando à nossa história, com o ranger da porta Verônica gritou um "vem logo!" e João Marcelo foi.
Ele fez o que tinha a ser feito. Lavou as mãos, limpou o chão e retirou uma perna que estava deslocada do corpo.
Verônica tinha os olhos vidrados, com um jeito de doidona.
João Marcelo tomou um banho, enxugou o cabelo com calma, como se com isso fosse pôr as ideias em dia.
Decidido, foi até Verônica e sentenciou: " C  H  E  G  A!"- ui, santa! Fiquei arrepiada!- " de hoje em diante EU resolvo esta questão".
" Finalmente! Vai matar no meu lugar? Melhor: vamos fazer JUNTOS", dizendo isso com o sorriso de um tubarão que acabou de comer uma placa de carro da Austrália- eu já vi isso na televisão, sendo que eles só descobriram porque havia sido pescado. Mas antes ele foi muuuuuito feliz, é o que dizem- "Vai ser maravilhoso".
" Não mesmo!", indo para o telefone e discando os números temidos por Verônica.
" Você tem noção que isso pode acabar comigo..."
" Você está obcecada. Eu estou salvando a mulher que amo!"
" Que amor é esse, hein, João Marcelo? Que amor é esse que vai trazer esses homens para a nossa casa? Vão me impedir de fazer o certo!"
" Certo? Desde que os Gororobas se mudaram você não faz outra coisa. É matar, matar, matar.
Não existem mais desculpas plausíveis, no seu trabalho e, dentro em breve, no meu também!"
E ligou: "Por favor, gostaria que vocês viessem o quanto antes, ao meu endereço".
" Senhor, antes disso nos conte o que está havendo".
E João Marcelo narrou todos os incidentes daqueles difíceis dois meses. Forneceu o endereço e, em menos de duas horas, os homens de quem Verônica tanto temia, chegaram.
Nos seus uniformes, lia-se: " Dedetizadora Anzóis Carapuça".
E Verônica, inerte, viu os funcionários darem buscas no seu lar, atrás das baratas que tanto lhe aparazia matar. Culpa dos Gororobas, que deixaram uma família delas, com descendentes até a quinta geração. E logo no apartamento ao lado.
Beijos mil,
Adri.