segunda-feira, 29 de julho de 2013

A tatuagem no pescoço

Vladimir estava desatento naquela manhã. Estava a caminho da Universidade em que cursava medicina para assistir uma aula que seria cansativa, com um professor que parecia o avô de Ramsés e que falava como uma tia histérica. Para piorar, acreditava que papagaio poderia ser testemunha e pintava o bigode na cor preta. Era uma cena dantesca para uma segunda-feira.
Mas fazer o quê se a secretária sempre colocava este professor no primeiro horário de aula e logo às segundas-feiras?!
Enfim, lá se ia o Vladimir arrastando o corpo pela estação do Metrô. Sim, porque a sua alma permanecia embaixo dos cobertores quentinhos, que se misturavam com o travesseiro e formavam o casulo perfeito para aquela manhã cinzenta e fria.
Chegou o Metrô e todos se posicionaram nas portas. Menos o Vladimir, que em sua motivação educacional se distraiu com a "importantíssima" leitura dos componentes da barra de cereais que mastigava preguiçosamente.
Apito. Portas fechadas.
Vlad até tentou correr mas o trem já havia partido.
"Ah... até é bom chegar atrasado hoje...", suspirando aliviado com aqueles míseros minutos de alforria do professor múmia.
Faróis tornam a aparecer no túnel e a nova composição chegava. O rapaz era o primeiro e a porta se abriu estava bem à sua frente. Mesmo que não quisesse, a massa humana o teria empurrado para dentro do trem e, estando ali, procurou se sentar de imediato, porque o corpo permanecia na dormência dos cobertores.
Colocou os fones de ouvido e seguiu como habitual até que, num repente, vislumbrou um pescoço de mulher, tatuado, com os cabelos presos ao alto com um lápis. Ficou hipnotizado.
Diga-se de passagem que ele não estava muito em si naquele dia e até um cão abanando o rabo persistentemente seria capaz de hipnotizá-lo, mas aquele pescoço o deixou com os olhos concentrados.
Apito. Parada na estação e a mulher salta com a multidão e se perde entre outdoors e escadas rolantes.
Vladimir olha ao redor um tanto atordoado, passando a mão pela testa sem entender bem o que acontecera.
Chegou à Universidade como um robô, programado para ignorar o professor, os colegas, a aula e somente pensar naquela tatuagem....naquele pescoço de mulher.
"Vlad! Vlad! Você está usando drogas?!", perguntava baixinho o amigo de sempre, Nicolas, aturdido com o comportamento do rapaz que somente estava presente no corpo.
Limitou-se a responder um "não" e a continuar no torpor que a nuca daquela mulher o causou. Nem mesmo a voz histérica do professor o incomodava naquela manhã. Estava ainda no Metrô- ufa! finalmente não eram os cobertores...- refém daquela tatuagem.
No dia seguinte acordou mais cedo, barbeou-se com esmero, perfumou-se e foi, corpo e mente em direção ao trem com a felicidade de Chapeuzinho Vermelho antes de encontrar o lobo.
Por falar nisso, gostaria de compartilhar uma dúvida: que mãe era essa a da Chapeuzinho? Se a avó estava doente, ela manda a menina- que é uma criança- levar docinhos (que não alimentam um doente!) até a casa da idosa sabendo que há um lobo à solta?! Sinceramente, uma péssima mãe!.
Prosseguindo a nossa história, Vladimir ficou alerta, aguardando a composição que o levaria a terra dos sonhos, aquela nuca... ai meu Deus... e sentiu momentaneamente partes do seu corpo se mexerem inconscientemente.
E viva à mochila que salvou o nosso rapaz de um constrangimento geral. Segurou-a à frente do corpo e aguardou. Lembrava-se que tinha se atrasado e, portanto, perdera o primeiro trem. Repetiu a situação.
Entrou no segundo, pela mesma porta, seguindo como um ritual todos os passos do dia anterior.
Sentou-se no mesmo lugar e...
"Cadê a mulher?!"
Desespero nos olhos: olhava ao redor, na plataforma de embarque- só faltou procurar sob os assentos- e nada da tatuada.
Chegou à faculdade bufando, rosnando, com um mau humor que fez os amigos recuarem a tal ponto de formar uma espécie de "clareira" de cadeiras ao redor do Vladimir.
"Cara, sério. Droga mata... Estou muito preocupado com você. Precisa conversar? Eu sou seu melhor amigo e estou muito, mas muito preocupado com as suas atitudes. Ontem estava apático, em outra dimensão, hoje agressivo. Provavelmente é abstinência, não é?! Eu posso e devo ajudar. Fala comigo, Vlad...".
"Não enche, Nicolas! É abstinência mesmo e não vou falar nada. Saco! Parece tia velha no ouvido da gente. Se concentra na aula que é melhor para você!"
Nicolas se afastou num misto de revolta e piedade. Eram amigos desde pequenos e não aceitava o fato de perder Vlad para as drogas.
Bom, até certo ponto o rapaz estava em abstinência, sendo que de PESCOÇO. E de UM em especial.
O dia acabou e Vladimir mal podia dormir esperando para acordar na manhã seguinte.
E assim foram os dias até que reencontrou o "pescoço tatuado". Sim, porque a mulher ele sequer observou: não saberia dizer a altura, o corpo ou a cor dos cabelos. Fora hipnotizado por um pescoço.
Tatuado.
Mais que depressa sentou-se no banco atrás do "pescoço" e posicionou-se ao ataque. Tão logo vagasse o assento ao lado da mulher, pularia como um atleta e, uma vez sentado, a tomaria para si. E teria para sempre aquele pescoço, noite e dia.
Dito e feito. Ao vagar o assento o rapaz empurrou duas velhotas, uma criança que perdeu o pirulito e começou a chorar e um homem, digamos, com uma beleza excêntrica: tinha uma cicatriz no rosto, de ponta a ponta, e braços tão fortes que, ao movimentar os músculos, faziam a havaiana dançar o ula-ula.
Conseguiu sentar e, ofegante- ao menos estava vivo!- olhou para a moça, finalmente, a dona do "pescoço tatuado".
"Oi, meu nome é..." e antes que terminasse a frase dois olhos vesgos o observaram atentamente e a boca se entreabriu, podendo amplamente demonstrar o vácuo provocado pela falta de muitos dentes:
"Cruzes! Você é sempre assim: grosseiro", numa voz desafinada e aguda que fez o parrudo da cicatriz encolher-se.
"Não! É que eu..."
"Olha só, garoto- ela era bem...bem mais velha que ele- na minha época as pessoas cediam o lugar aos idosos. Questão de boa educação, sabe?!"
E Vladimir recebeu as palavras anestesiado, sem qualquer reação possível. Pensava em como tudo aquilo ocorrera, lembrou-se de um tombo que levara do balanço, aos oito anos de idade, de Carolina- a primeira namoradinha- e achou que estava morrendo, porque a vida lhe passava diante dos olhos.
"E da próxima vez, meu filho, lembre-se do que lhe ensino", terminando a frase e saltando na estação de sempre.
O rapaz ficou tão aturdido que passou da estação e fez o trajeto, ida e volta umas três vezes até recobrar os sentidos.
Já na faculdade, na metade do dia e tendo perdido duas provas, agarrou o braço do Nicolas e sentenciou: "Larguei as drogas e quero ser cirurgião plástico. O melhor."
Nicolas abanou a cabeça em assentimento e lá se foi o Vlad, caminhando firme em direção ao futuro.
Hoje, passados muitos anos, Vladimir é Mestre naquela especialidade, muito conceituado na profissão e ainda pratica a benemerência nas horas vagas da sua agenda lotada, fazendo cirurgias reparadoras em hospitais públicos. Casou-se com uma mulher de beleza comum. Só fez uma exigência: que fizesse uma tatuagem no pescoço.
Beijos sempre,
Adri.


terça-feira, 23 de julho de 2013

Maria e Murilo

Era um verão daqueles bem amenos, onde o sol aquece mais que bronzeia.
Maria era uma doce menina de sete anos, talvez oito, com longas tranças cor de mel e olhos profundos. "A profundidade que o mar tem", dizia-lhe o avô, todas as vezes em que se sentava aos joelhos para ouvir suas histórias sobre viagens pelo oceano.
Adorava o vô, ouvi-lo, brincar com ele. Eram bons companheiros mas ele compreendia que crianças são mais felizes e completas ao lado de outras e, assim, depois de um tempo de narrativas, o vô a colocava para correr e criar suas próprias memórias.
Naquele verão a família foi à casa da praia com os primos, recém chegados de outro país e a farra da criançada era uma constante. Não havia bolos que a Júlia, mãe de Maria, fizessem que fossem suficientes.
Até que, numa tarde na praia, procurando conchinhas de cores diferentes, Maria se distanciou dos primos e viu-se só, com a marola do mar a lamber-lhe os dedinhos dos pés.
Olhou para os lados e não viu ninguém. Esboçou um choro, os olhos profundos tornaram-se úmidos e mais profundos.
Sentou-se na areia e antes que o choro se reunisse ao mar foi encontrada por Murilo, um menino alto para a idade com a cabeleira ao vento, ruiva como os raios da manhã ao desabrochar naqueles verões.
"Perdida?"
"Sim...", enxugando o nariz sardento que teimava em escorrer.
"Eu sou Murilo e sei tudo por aqui. Há muitos verões venho para cá e não existe um único cantinho que eu desconheça. Vou levá-la para casa." e terminou a frase como um herói de aventuras mil, com superpoderes e capa.
Estendeu a mão para a de Maria que o olhou com certa desconfiança. Afinal, a mãe sempre alertava para não falar com estranhos. Imagine só se a visse ir com um! Porém, qual alternativa existia além de acompanhar o menino que prometeu levá-la a salvo para a família?
E tendo apenas o mar e o sol a desmaiar no horizonte como testemunhas, Maria entregou a mãozinha suja de areia a Murilo e deixou-se levar, esquecendo de imediato as conchinhas que foram o motivo da sua distração.
Os dois foram andando pela beirinha da areia, naquele lugar exato em que ela é dura e macia e o mar não causa medo, apenas alegrias. Correram, brincaram de pegar, jogaram bolas de areia um no outro e conversaram tanto como se fossem dois amigos de longa existência.
A noite já estava avançada e a família de Maria em desespero. Júlia com o corpo largado sobre o sofá chorava compulsivamente enquanto o avô de Maria, seu Pedro, foi à sua procura por toda a região, batendo de casa em casa, procurando os pescadores para conseguir alguma informação sobre o paradeiro de Maria.
Lá pelas oito horas da noite chega a garota, com as bochechas vermelhas, um sorriso sem fim na boca, as tranças misturadas com o sal e a areia, trazida pelas mãos de Murilo.
A família entra em comoção. O mar não havia levado a pequena Maria e nada de mal acontecera.
Murilo ficou paradinho na porta e sem ser percebido. Olhou para a cena e decidiu sair quando foi interrompido pelo avô da menina que praticamente fez um interrogatório com o garoto, digno de filme de agente secreto. Maria era a única menina dentre todos os netos e seu Pedro era quase um devoto da neta.
Mesmo assustado, o menino respondeu corretamente e foi "liberado". Saiu meio aborrecido porque foi impedido de se despedir da menina que havia salvo com seus superpoderes. E não conseguiu ver os belos olhos de Maria mais uma vez antes de ir-se embora.
Foi-se, arrastando os chinelos de borracha pelas ruas de paralelepípedos já banhados pela lua cheia.
Murilo adorava as luas cheias e, segundo ele, grandes coisas aconteciam nestes períodos porque o mar- sempre o mar!- reagia à ela, ficando furioso, cheio e mais profundo... como os olhos de Maria.
Deu uma corrida para apressar a chegada a casa, porque o jantar já estaria servido e a sua fome era a de um super heroi.
A família o recebeu sem maiores problemas porque, para ela, férias de verão eram sinônimo de criança em estado selvagem, desde que tomasse banho e se alimentasse, estaria tudo dentro da ordem.
Murilo preferiu omitir os fatos do dia e se limitou a dizer ao pai que a tarde foi interessante e que fez uma amizade. Sem mais.
Aquela noite dormiu sobre o lençol com estampa de espaçonaves com os olhos grudados na lua que enchia a janela e o pensamento em Maria.
"Que coisa estranha gostar tanto de uma menina... Ela não sabe jogar futebol- já havia perguntado à própria- ficou perdida e quase chorou.... Ah, se não fosse por mim. Eu sou o máximo!", terminando o pensamento e iniciando o sono que lhe traria mil aventuras.
Maria ficou de castigo por uma semana, sem poder ir à praia. Murilo a procurou inutilmente, inclusive por outras praias - vai que ela estivesse perdida mais distante?!- e nada.
Findado o castigo, a família salientou que a queria por perto e Maria sentiu um aperto incômodo no estômago. De alguma forma aquilo a incomodava e na meninice dos seus sete, oito anos não conseguia definir. Murilo estava com ela e queria voltar a encontrá-lo, correr com ele na praia, ouvir as histórias que ele contava.
Os dias foram se sucedendo e as crianças não se encontravam. Quando ela saía da sorveteria, ele chegava. Quando ela estava na praia, ele jogava futebol e quando ele ia à praia, ela já havia retornado para tomar o banho e jantar.
Murilo tomou coragem e foi até a casa da menina. Tocou o sino de bronze ao lado da porta principal e foi atendido pelo avô de Maria que, gentilmente, desaconselhou que ele a procurasse e que por culpa do garoto Maria ficara de castigo. Ele era "encrenca".
Saiu amuado pensando: "eu... encrenca..." e preferiu não tornar a encontrar a menina, por mais que quisesse, para que ele não fosse "encrenca" na vida dela.
Maria percebeu o sumiço de Murilo e tentou encontrá-lo, perguntando furtivamente aqui e ali mas, em sendo menos esperta, nada conseguiu a não ser o olhar mal encarado da mãe, que a repreendeu por estar constantemente se afastando: "quer se perder novamente, Maria? Já não basta o que houve? E se um estranho pega você, hein?"
E desta forma, aquele verão acabou, a família retornou para a capital e fechou a casa da praia.
Murilo foi-se também, com a família, os super herois e as muitas histórias que contaria quando chegasse na escola. Mas foi com o coração apertado.
Os verões iniciaram e terminaram e, com eles, a infância se passou. A família de Maria vendeu a casa da praia após o falecimento do avô. Aquilo tudo era dele e só fazia sentido com ele, a casa lotada de crianças e amigos, a mesa farta e cheirinho de bolo dos finais de tarde.
Anos após, Maria retorna à cidade. Passa diante da casa que foi da família e pensa em pedir para entrar mas, logo ao início, desiste. Já não há o sino de bronze, as árvores que davam flores multicoloridas foram cortadas e sua alma foi tomada por uma aflição horrível. Correu sem olhar para trás, pois lá já não havia o seu passado, nem aqueles verões da meninice.
Agora tinha os cabelos curtos, o tom mais escurecido, os olhos encobertos por óculos de sol e usava chapéu para evitar os raios solares: "quando eu era criança o sol era desejado e nunca impedido...", pensava sempre.
Andou a esmo e a cidade pouco se modificara. Quando se deu conta estava na praia em que conheceu Murilo, procurando conchas de cores diferentes. O mar veio beijar-lhe os pés, como quem reverencia uma amiga há muito afastada de nós. E a mulher cedeu espaço à menina e pôs-se a correr, como se os sete ou oito anos de sua existência retornassem no vento que batia em seu rosto, com os respingos de água salgada e areia.
O chapéu ficou para trás, lançou fora os óculos de sol e abriu os braços como se fosse um avião. Como se fosse Murilo contando suas façanhas.
No sentido oposto caminhava um homem, com as calças jeans dobradas à altura dos joelhos, carregando a camisa branca na mão. Viu aquela mulher brincando pela praia, sozinha porém acompanhada de milhões de histórias.
Acelerou o passo. O coração descompassou.
Correu.
Deixou a camisa cair da mão e, num ímpeto único, abriu os braços em forma de asas de avião e voou na direção de Maria.
Estão juntos até hoje e Murilo continua acreditando na lua cheia e nos profundos olhos de Maria.
Beijos,
Adri.


domingo, 21 de julho de 2013

Os cinco mil acessos e o meu amor pelo mundo

                                       Fonte: diariocantinense.com.br/ Google

Estou escrevendo este post com a música "Night and Day", de Cole Porter, ao fundo, na versão espetacular do U2. E esperava ardentemente pelo meu encontro com vocês em mais esse número mágico para mim.
Estranho é que decidi comemorar os ímpares. Mas eu tenho pares, que são vocês!
Na minha ansiedade não consegui preparar nenhum texto previamente e, caso este não seja dos melhores, o leiam ao som do U2- vocês encontram um vídeo maravilhoso no You Tube, em alta definição de som- e tudo melhorará.
Amo vocês. Sério.
Descobri que me preocupo quando alguns somem.
A pergunta que devem estar se fazendo: "Como ela sabe quem somos NÓS?!"
Abro a caixa do mágico e explico o truque? Claro, são cinco mil acessos e vocês merecem!
Tenho um painel de moderação com tudo que possam imaginar: quais os países que acessam o site, quais os textos lidos no momento, no dia, na semana- há um mapa mundi- na cor verde- que vai do mais claro( países que menos acessam) ao verde mais escuro, quais os navegadores que utilizam e de qual forma encontraram o site/blog.
Enfim, um sonho de consumo para uma escritora amadora e que necessita de apoio.
Cada país que adere eu comemoro, e ainda sei o número de pessoas que aderiram e permanecem comigo.
Lamento não saber QUEM são vocês...
Fico pensando se me leem numa folga do trabalho ou de suas casas, se sou companheira de noites de insônia- que é o meu caso- se o post foi o consolo de um dia ruim ou a comemoração de uma vitória.
Penso se estão bem de saúde- sou muito emotiva e totalmente pelo coletivo!- e quando sei, pela imprensa, que houve algum problema em um desses países rezo para que não os atinja.
Não porque são meus leitores, mas porque virei cativa do amor que nos uniu.
Um amor sem rosto, solidário, doação.
Amor de primeira qualidade, porque é na doação pura e simples que ele se desenvolve.
E o nosso foi assim. Nasceu miúdo, cresceu e hoje somos uma família que abrange os seguintes países: Brasil, Estados Unidos, Rússia, Alemanha, Portugal, Hungria, Japão, China, Austrália, Colômbia, Itália, Bélgica, Noruega, Dinamarca, Reino Unido, Argentina, Peru, Macedônia, Malásia, República Dominicana, França, Holanda, Guiana Francesa, Irlanda e Sérvia, por ordem de adesão à "Cerejinha".
Meus beijos a todos, sejam nacionais ou brasileiros radicados nestes países. Que saibam a língua portuguesa ou que usem o tradutor do Google.
Por mim e por vocês penso em histórias durante o banho, quando não durmo, quando dirijo e aprendi a observar mais o ser humano.
Como eu acredito em vibração de energia positiva, sintam-se positivamente envolvidos, nessa energia que nos dá força, vitória, alegria e perseverança.
Vida longa a todos nós!
Com o coração repleto de gratidão,
Adriana Andollini. 
"In the silence
  of my lonely room
  I think of you
  Night and day "
  Cole Porter- " Night and Day".

quarta-feira, 17 de julho de 2013

A viúva e o sutiã dourado

Maia era uma viúva pacata, na casa dos cinquenta anos.
A vizinhança era igualmente inerte e sem cores. Uma vida em preto e branco com médias variações em cinza.
Certo dia viu-se um sutiã ousado, em tom marfim com rendas douradas, lacinhos e outros adereços que conferiam à peça íntima um ar de...pecado.
Claro que se fosse vermelho vocês já saberiam, de plano, que a peça era pecaminosa- aliás, nunca entendi bem essa relação da cor vermelha com o pecado, mas vamos lá- e não haveria qualquer motivo para que eu fizesse este grifo. Porém, aquela peça singela e cheia de odores profanos tinha um quê de majestade, de pecado feito sem pressa entre lençóis de cetim. Algo que se retira lentamente, como quem realiza um ritual e bebe o vinho do prazer no umbigo da mulher amada.
Assim foi percebido e observado por toda a vizinhança que, pouco a pouco, tomou ciência da peça que, a cada ciclo lunar, retornava a sua exposição de delícias e calvário.
Mais estranho era estar no estendedor da casa de dona Maia, viúva pacata, como havia dito e que jamais, repito, JAMAIS dera motivos a qualquer especulação sobre sua vida pessoal.
Interrogada sobre como ia passando, respondia laconicamente que muito bem e com a Graça de Deus.
Suas vestes eram circunspectas, com saia na altura dos joelhos sem uma fenda sequer. Sapatos negros, com saltos bem miúdos, clássicos e sem adornos. Cabelos negros como os olhos, de uma tristeza meiga eram arrematados em um coque muito bem aparatado, sem um fio fora do alinhamento.
Enfim, espartana e acima de qualquer influência fashion.
Mas, até aí nada, porque há inúmeras pessoas simples nas vestimentas e apimentadas no que vai por baixo. No entanto, a nossa viúva sempre pôs para secar peças ridiculamente ínsipidas,  capazes de inibir um leão no cio.
Então o que mudara na vida de Maia, a nossa viúva misteriosa.
Os vizinhos se aquartelaram na casa do arauto da moralidade, o sr. Antenor de Alcântara, com monograma em todas as porcelanas da casa e nos portões de ferro da residência que, convém salientar, ocupava uma quadra inteirinha.
O que seria ou não, haveria um homem- ou vários!- transformara a casa num rendez-vous- para os que não associaram o nome à pessoa, um bordel, prostíbulo um...puteiro.
Valha-me Deus! Toda esta confusão por um sutiã de nada. Imaginem se a viúva estendesse calcinhas, ligas, espartilhos. Aí, era excomunhão e expulsão, regadas à água benta e cruz na testa.
Decidiram que colocariam o Padilha, figura alcoviteira e fraca de caráter, que receberia uma soma vultosa em dinheiro- paga pela A.M.C.S: "Associação da Moral contra o Sutiã"- para, dia e noite; noite e dia, espionar a casa da viúva até que tivessem provas do crime.
E assim foi feito.
Padilha- já falei que era desprezível e tinha um bigodinho fino que aparava todos os dias?!- pois é, fazia os seus plantões sem qualquer falta, com chuva ou sol e, após dois meses de tocaia, nada havia de anormal na residência da viúva, que somente recebia a visitado primo Lucius, como era habitual desde que a mesma se mudara para lá, com o finado marido.
Antenor de Alcântara não se conformava, agitando o cachimbo de um canto para o outro da velha boca, indignado com o despudor que não conseguia ser desmascarado.
Os meses foram se arrastando e o problema foi sendo dissipado. Aos poucos o sutiã teve companhia de outros, ricamente confeccionados, acompanhados das tais peças que gerariam a excomunhão da viúva. Incrivelmente a A.M.C.S foi minguando e as contribuições também, o que fez com que o Padilha- já informei que ele babava nos cantos da boca?!- pedisse "as contas".
Dona Matilde, passada a tempestade, convidou tia Cotoca para fazer uma visita em desagravo a pobre dona Maia, isolada de todos por quase um ano e caçada como uma bruxa em plena inquisição.
A viúva abriu a porta com a educação que lhe era peculiar, sempre trazendo aos olhos negros a tristeza que a tornava meiga. Sorriu e as convidou a entrar.
Entre uma fatia de bolo e uma xícara de chá, a saliente tia Cotoca tocou no assunto, fingindo certo desinteresse.
"E então, dona Maia. Como vão as coisas por aqui."
"Bem, com a Graça de Deus..."
"Serei direta. O motivo desse desconforto na vizinhança- desconforto?!- foi a presença de peças, digamos, obscenas no varal da sua casa. Pronto, falei."
A viúva estrondou em uma gargalhada que o bairro inteiro ouviu. Chegou a ficar roxa e as lágrimas a pularem os olhos. Refestelava-se na cadeira, punha a mão na barriga e danava-se a rir, sem qualquer limite.
As visitantes ficaram desorientadas. Não era a reação esperada para uma pergunta como esta, muito menos para a "viúva".
Acho, queridos leitores, que elas sequer esperavam que uma viúva ainda soubesse gargalhar. Prosseguindo, após recuperar o fôlego e as cores, dona Maia explicou laconicamente:
"São do meu primo Lucius. Ele gosta de se vestir de mulher e faz isso aqui, na minha casa, porque aqui e na minha vida quem manda sou EU!"
Quando as duas senhoras levaram a notícia para o "Dom" Antenor Albuquerque este quase esticou as canelas. Urrava dizendo que isso era um absurdo e que não permitiria... e antes que terminasse a frase estava estendido no chão, quase como o sutiã no varal que deu início a esta "cruzada". Em coma há mais de seis meses. Mas sem lacinhos!
Beijos mil,
Adri.