quarta-feira, 17 de julho de 2013

A viúva e o sutiã dourado

Maia era uma viúva pacata, na casa dos cinquenta anos.
A vizinhança era igualmente inerte e sem cores. Uma vida em preto e branco com médias variações em cinza.
Certo dia viu-se um sutiã ousado, em tom marfim com rendas douradas, lacinhos e outros adereços que conferiam à peça íntima um ar de...pecado.
Claro que se fosse vermelho vocês já saberiam, de plano, que a peça era pecaminosa- aliás, nunca entendi bem essa relação da cor vermelha com o pecado, mas vamos lá- e não haveria qualquer motivo para que eu fizesse este grifo. Porém, aquela peça singela e cheia de odores profanos tinha um quê de majestade, de pecado feito sem pressa entre lençóis de cetim. Algo que se retira lentamente, como quem realiza um ritual e bebe o vinho do prazer no umbigo da mulher amada.
Assim foi percebido e observado por toda a vizinhança que, pouco a pouco, tomou ciência da peça que, a cada ciclo lunar, retornava a sua exposição de delícias e calvário.
Mais estranho era estar no estendedor da casa de dona Maia, viúva pacata, como havia dito e que jamais, repito, JAMAIS dera motivos a qualquer especulação sobre sua vida pessoal.
Interrogada sobre como ia passando, respondia laconicamente que muito bem e com a Graça de Deus.
Suas vestes eram circunspectas, com saia na altura dos joelhos sem uma fenda sequer. Sapatos negros, com saltos bem miúdos, clássicos e sem adornos. Cabelos negros como os olhos, de uma tristeza meiga eram arrematados em um coque muito bem aparatado, sem um fio fora do alinhamento.
Enfim, espartana e acima de qualquer influência fashion.
Mas, até aí nada, porque há inúmeras pessoas simples nas vestimentas e apimentadas no que vai por baixo. No entanto, a nossa viúva sempre pôs para secar peças ridiculamente ínsipidas,  capazes de inibir um leão no cio.
Então o que mudara na vida de Maia, a nossa viúva misteriosa.
Os vizinhos se aquartelaram na casa do arauto da moralidade, o sr. Antenor de Alcântara, com monograma em todas as porcelanas da casa e nos portões de ferro da residência que, convém salientar, ocupava uma quadra inteirinha.
O que seria ou não, haveria um homem- ou vários!- transformara a casa num rendez-vous- para os que não associaram o nome à pessoa, um bordel, prostíbulo um...puteiro.
Valha-me Deus! Toda esta confusão por um sutiã de nada. Imaginem se a viúva estendesse calcinhas, ligas, espartilhos. Aí, era excomunhão e expulsão, regadas à água benta e cruz na testa.
Decidiram que colocariam o Padilha, figura alcoviteira e fraca de caráter, que receberia uma soma vultosa em dinheiro- paga pela A.M.C.S: "Associação da Moral contra o Sutiã"- para, dia e noite; noite e dia, espionar a casa da viúva até que tivessem provas do crime.
E assim foi feito.
Padilha- já falei que era desprezível e tinha um bigodinho fino que aparava todos os dias?!- pois é, fazia os seus plantões sem qualquer falta, com chuva ou sol e, após dois meses de tocaia, nada havia de anormal na residência da viúva, que somente recebia a visitado primo Lucius, como era habitual desde que a mesma se mudara para lá, com o finado marido.
Antenor de Alcântara não se conformava, agitando o cachimbo de um canto para o outro da velha boca, indignado com o despudor que não conseguia ser desmascarado.
Os meses foram se arrastando e o problema foi sendo dissipado. Aos poucos o sutiã teve companhia de outros, ricamente confeccionados, acompanhados das tais peças que gerariam a excomunhão da viúva. Incrivelmente a A.M.C.S foi minguando e as contribuições também, o que fez com que o Padilha- já informei que ele babava nos cantos da boca?!- pedisse "as contas".
Dona Matilde, passada a tempestade, convidou tia Cotoca para fazer uma visita em desagravo a pobre dona Maia, isolada de todos por quase um ano e caçada como uma bruxa em plena inquisição.
A viúva abriu a porta com a educação que lhe era peculiar, sempre trazendo aos olhos negros a tristeza que a tornava meiga. Sorriu e as convidou a entrar.
Entre uma fatia de bolo e uma xícara de chá, a saliente tia Cotoca tocou no assunto, fingindo certo desinteresse.
"E então, dona Maia. Como vão as coisas por aqui."
"Bem, com a Graça de Deus..."
"Serei direta. O motivo desse desconforto na vizinhança- desconforto?!- foi a presença de peças, digamos, obscenas no varal da sua casa. Pronto, falei."
A viúva estrondou em uma gargalhada que o bairro inteiro ouviu. Chegou a ficar roxa e as lágrimas a pularem os olhos. Refestelava-se na cadeira, punha a mão na barriga e danava-se a rir, sem qualquer limite.
As visitantes ficaram desorientadas. Não era a reação esperada para uma pergunta como esta, muito menos para a "viúva".
Acho, queridos leitores, que elas sequer esperavam que uma viúva ainda soubesse gargalhar. Prosseguindo, após recuperar o fôlego e as cores, dona Maia explicou laconicamente:
"São do meu primo Lucius. Ele gosta de se vestir de mulher e faz isso aqui, na minha casa, porque aqui e na minha vida quem manda sou EU!"
Quando as duas senhoras levaram a notícia para o "Dom" Antenor Albuquerque este quase esticou as canelas. Urrava dizendo que isso era um absurdo e que não permitiria... e antes que terminasse a frase estava estendido no chão, quase como o sutiã no varal que deu início a esta "cruzada". Em coma há mais de seis meses. Mas sem lacinhos!
Beijos mil,
Adri.

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