terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Carta ao ano de 2015

Carta ao ano de 2015
Meu caro parceiro.
Restam a ti poucos raiares de sol, algumas tempestades que arrasarão vidas e dias que se encerrarão de forma melancólica.
Trato-o por tu, não por hábito ou peculiaridade, mas por opção explícita. Tenho neste pronome um respeito pela coragem que se impõe a ele mesmo. É uma força intransitiva de um verbo jamais conjugado, uma proximidade ostensiva, visceral e, de certa maneira, autoritária.
Dito isto, despeço-me de ti com o agradecimento que me escorre dos lábios e reverbera neste texto.
Passaste pelo mundo com a rudeza de um animal selvagem e, como se poderia culpar os selvagens por sua inabalável certeza de si? Por sua necessidade obscena de cumprir o destino a que se lhes foi apresentado?
Retorceste meus ossos, minha alma se contorceu em dores de um parto de vida já existente, lancetaste meus pulsos para que deles escorressem a amargura de anos pretéritos. Fizeste o balancete, caro amigo, como um auditor jamais ousaria fazê-lo e me condenaste, sim, de maneira impiedosa a mergulhar dentro de mim e a ressurgir, tomando o oxigênio que acreditei já haver em excesso em minhas entranhas. Qual ilusão de Carnaval, retirei a máscara e vi o rosto da menina, da jovem e da mulher, mas nenhum deles era compatível com minhas memórias de mim mesma. E com pulsos abertos, esperei pela vida e, num parto às avessas, declinei solenemente das tristezas, dos pesares, dos incômodos, das lutas por vingança e descobri que, nesta agonia de nascer de novo, tu e somente tu foste o meu parceiro.
Ai, que malvado foste, 2015! Que traquinas, como menino que lança pedras às janelas só para acordar os que dormem. Acordá-los para a vida!
Bom, já sem a pele que revestia o meu corpo e sem o sangue negro que contaminara anos a minha alma, escrevo-te agradecida.
Lamento se meu olhos estão secos mas, sinceramente, pactuei contigo pela vida, meu menino lindo e travesso.
Sacudiste- e ainda o fazes- o mundo, trazendo pranto e incertezas. Mas contigo, acordam os dormentes, os que se perderam em sendas da mente, os que perderam a esperança, em si mesmos ou na vida.
Pois é, meu caro. Graças a tua vinda, como um filho inesperado e extemporâneo, volto ao princípio e escolho novos caminhos.
Por que carregar o passado como grilhões atados aos pés e mãos? Para quê recordar tantas situações desagradáveis? Para se ter a certeza de que nos vitimizaram?
Não, meu querido, não. Caminho hoje com menos bagagem, em uma mala bem menor do que antes e pretendo reduzi-la, tão logo consiga. Quero flores sem espinhos, dias de sol, noites com céu estrelado e muitos dias felizes ao lado de quem eu amo e que me ama também.
Quero a paz de espírito, o corpo saudável, a mente tranquila e corajosa, sem perder de vista jamais as experiências que vivi junto a ti.
És como um amante que se deixa partir, mas que nos deixa um certo aroma nos cabelos, uma certa nostalgia das tardes macias de verão e que, com um simples roçar da brisa, lembra-se dele e um arrepio percorre a pele. Não por lamento, mas por saudades do que se aprendeu junto a ele. Mesmo que, à época, parecesse como tu, selvagem e temerário.
Antes do teu adeus, desejo-te uma bela saída. Esquecer-te, jamais! Mas também a ti não iludirei: carrego-te na memória, mas só visitarei a tua existência, que já haverá sucumbido ao novo, para lembrar-me que sobrevivi. E aprendi contigo. Muito.
Vai com Deus, meu caro- hoje te chamo- amigo e que 2016 venha mais solícito e sofisticado. Afinal, qual mulher despreza diamantes?!
Beijos,

Adriana.

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