sábado, 2 de fevereiro de 2013

O corpo


Ela estava trêmula, apavorada. Via à sua frente mais um corpo morto. Tornou-se uma "serial killer" sem sequer saber como, mas era essa a sua condição atual.
Ligou para o marido, que estava no trabalho e com a voz em modulações, secamente informou-lhe:
" Matei mais uma".
" Já falei que só há uma chance: ligue para eles!"
" João Marcelo, isso NUNCA!"
E ele, sem compreender a esposa, que sempre fora ponderada e, agora, atrasava-se a qualquer compromisso para MATAR.
Não havia se casado com uma mulher assim. Ah!  Verônica era doce, meiga e seria incapaz de cometer um ato de violência contra qualquer ser vivo.
Chorou, quando tinha doze anos, ao ver uma pombinha com a pata machucada e chegou ao churrasco da prima em prantos. Além do frisson da cena,  as lágrimas deram uma esfriada no domingo de sol.
Enfim, quem vê cara... E os anos alteram muito as pessoas.
Verônica, de cabelos negros, tornara-se loura. Cortou os longos fios e criou um look moderno, com repicados.
Ficou ótimo e João Marcelo gostou, porém, juntamente com o exterior houve mudanças no interior. E nas mesmas proporções.
" JOÃO MARCELO!"- gritou Verônica, como se o acordasse de um sono profundo.
" Ah... Tô aqui, Vê".
" Então. Já disse que não ligarei. A questão é que sinto um certo nojo para retirar o corpo daqui.  Portanto, minta aí para o seu chefe e venha fazer o serviço sujo".
" Peraí. Não vou me envolver novamente."
"Você já está TOTALMENTE dentro."
" Eu sou a favor de ligar para eles. Dá-se fim a este suplício", num tom de lamento, de pessoa que não aguenta mais. MESMO!
" J  A  M  A  I  S!", insistia Verônica, obcecada.
" Desde que os Gororobas se mudaram do apartamento ao lado do nosso que você resolveu mudar suas atitudes. Quê é isso, mulher?!"
" Olha só, João Marcelo. Eu não estou perguntando se você QUER VIR. Eu estou ORDENANDO".
Amigos leitores. Este João Marcelo é um banana. Se a tal Verônica matou, ela que resolva o cadáver, ora bolas! Imagina se eu sairia do trabalho para um serviço desses? Hum!
Mas o "banana" atendeu. Disse para o chefe que a esposa estava no hospital porque caiu no banheiro- tudo de errado que acontece, até soco no olho, vira "queda no banheiro". Poderiam tentar, sei lá, por exemplo "caiu da cama". É coisa de velhinha mas, ao menos, é mais criativo- e iria prestar assistência.
Ao chegar à portaria do "Condomínio Cerejinha do Sundae", sentiu as pernas amolecerem. Não pela retirada do corpo, porque isso já fizera muitas vezes, mas por temer quanto à sanidade da mulher amada.
Colocou a chave na fechadura como quem desarma uma bomba e abriu a porta com o vagar de um jaboti manco. Pior: a porta rangeu.
Porque será que, quando mais precisamos de silêncio, algo estala, range, clica, o cuco resolve sair, enfim, essas coisas "sobrenaturais".
Quando eu era criança e tinha pesadelo, pegava o meu colchonete e fugia para o quarto dos meus pais. Penumbra - o quarto ficava em frente ao poste de luz- o cuidado de uma serpente e, pelos raios, algum osso do meu corpo estalava ou, pior, a Tati- minha pequinês fofa- resolvia reclamar por ter sido acordada. MAY DAY! MAY DAY! Eu paralisava tudo, até a perna no ar- eu entrava engatinhando- até ter a certeza que o campo estava dominado. O sinal era o ronco do meu pai. Barra limpa!
Voltando à nossa história, com o ranger da porta Verônica gritou um "vem logo!" e João Marcelo foi.
Ele fez o que tinha a ser feito. Lavou as mãos, limpou o chão e retirou uma perna que estava deslocada do corpo.
Verônica tinha os olhos vidrados, com um jeito de doidona.
João Marcelo tomou um banho, enxugou o cabelo com calma, como se com isso fosse pôr as ideias em dia.
Decidido, foi até Verônica e sentenciou: " C  H  E  G  A!"- ui, santa! Fiquei arrepiada!- " de hoje em diante EU resolvo esta questão".
" Finalmente! Vai matar no meu lugar? Melhor: vamos fazer JUNTOS", dizendo isso com o sorriso de um tubarão que acabou de comer uma placa de carro da Austrália- eu já vi isso na televisão, sendo que eles só descobriram porque havia sido pescado. Mas antes ele foi muuuuuito feliz, é o que dizem- "Vai ser maravilhoso".
" Não mesmo!", indo para o telefone e discando os números temidos por Verônica.
" Você tem noção que isso pode acabar comigo..."
" Você está obcecada. Eu estou salvando a mulher que amo!"
" Que amor é esse, hein, João Marcelo? Que amor é esse que vai trazer esses homens para a nossa casa? Vão me impedir de fazer o certo!"
" Certo? Desde que os Gororobas se mudaram você não faz outra coisa. É matar, matar, matar.
Não existem mais desculpas plausíveis, no seu trabalho e, dentro em breve, no meu também!"
E ligou: "Por favor, gostaria que vocês viessem o quanto antes, ao meu endereço".
" Senhor, antes disso nos conte o que está havendo".
E João Marcelo narrou todos os incidentes daqueles difíceis dois meses. Forneceu o endereço e, em menos de duas horas, os homens de quem Verônica tanto temia, chegaram.
Nos seus uniformes, lia-se: " Dedetizadora Anzóis Carapuça".
E Verônica, inerte, viu os funcionários darem buscas no seu lar, atrás das baratas que tanto lhe aparazia matar. Culpa dos Gororobas, que deixaram uma família delas, com descendentes até a quinta geração. E logo no apartamento ao lado.
Beijos mil,
Adri.

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