terça-feira, 18 de junho de 2013

As donas da bola

Elas eram gêmeas e, como diria... mimadas.
Filhas de uma ninhada, na qual o pai era um portentoso microempresário, foram criadas em colégio católico e tudo, exatamente T U D O era permitido a essa dupla.
Tinham poder de vida e morte sobre as colegas e ai daquelas que não as adulassem: seriam vetadas de todas as convocações de jogos intercolegiais.
Claro, elas eram as donas das bolas e tinham em casa uma quadra, que o papai mandou fazer para que todos os seus rebentos pudessem treinar e se tornar, cada qual a sua vez, os "donos da bola" e terem os seu asseclas.
Pois é, a maioria seguia o curso do rio e compreendia normal o comportamento de humilhações e vassalagem imprimido por Medeia e Medusa.
Até que, num certo momento enevoado da nossa história, entra em cena Carmem, uma menina como outra qualquer, sem grandes objeções mas com grande espírito de honra. A novata não se submeteu aos caprichos das irmãs e, por sorte, foi execrada e se uniu a umas poucas que, como ela, não se submeteriam. A ninguém.
Furdunço no colégio católico, pois o campo de batalha era  montado a cada aula de Educação Física, a cada torneio intercolegial ou mesmo, interclasses.
Eram dispensadas, sumariamente, mesmo que seus dotes físicos para o jogo fossem superiores aos das "donas da bola" e sua gangue.
Enfim, o desprezo dominou o coração de algumas e o ódio, de Carmem.
Os anos se passaram e as gêmeas se tornaram uma pálida lembrança, mantida em brasa mansa que, a qualquer momento, reavivava o fogo da humilhação e o pranto seco como o solo do sertão. Carmem não se permitia chorar e aprendeu a sorrir diante das maiores provações.
Por uma questão moral, devo advertir que Carmem não era uma heroína. Era um ser humano indignado diante da injustiça. E quem não procedeu assim alguma vez na vida, não é?!
Adiante com o nosso conto, a vida afastou todas até que, num dia de sol, encontram-se em terreno misto.
Carmem, já casada e bem sucedida, vacinada contra criaturas como as gêmeas Medeia e Medusa, chega à festa com o marido, linda e autossuficiente.
Repentinamente seus olhos negros encontram os olhos de ambas que, auge da glória, observa o baixar de cabeça de uma delas: Medusa.
Medusa, já mais velha e alquebrada pelo tempo, viúva de marido vivo, cuidava do rebento fruto de muitas tentativas. É... nessas questões o dinheiro do patriarca não fez muito efeito.
Porém, Medeia aproximou-se, como se nada lhe afligisse a alma e Carmem pensou consigo que deveria ter se vestido com outra roupa, mais devastadora.
O marido a acalmou- já conhecia o sucedâneo de situações- e ambos receberam a convidada pálida de esperanças.
Após uma conversa que não diz a que vem e apenas segue o protocolo social -onde Carmem desejava ardentemente estar a bordo de um vestido vermelho- Medeia se incendiou ante a fluência de ideias do marido de Carmem. A "dona da bola" voltava à tona...
"Dessa vez não!", pensava Carmem. Já ia longe a infância e a proteção que as gêmeas obtinham no tal colégio de freiras.
Pensou em arrancar-lhe o coração, como nos filmes B, que ainda batendo em suas mãos, seria lambido e oferecido a algum deus pagão. Muito dramático...
Passou para a ideia de colocar, furtivamente, um dos pés à sua frente e dar-lhe o maior tombo da história. Também não foi possível, porque ela não se levantava, nem mesmo quando o filho de nove anos pediu para brincar no pula-pula para crianças de até quatro anos.
Carmem sacudiu os cabelos, tomou o marido pela mão e saiu daquele local, despedindo-se levemente alegando um outro compromisso.
Já dentro do automóvel, Carmem ofegante, pálida de ódio, iniciou uma sequência infindável de ira infantil, remontando todas as histórias vividas ao lado das duas.
O marido, plácido e internamente divertido com a situação, apenas a advertia: " Carmem, meu amor. Você tinha dez, onze anos. Já se vão vinte anos!"
" Eu aturei essas duas mais tempo que isso, José. Além do que, cada segundo de tortura e injustiça equivalem a horas!!!", já aos berros dentro do carro.
" Está bem, está bem. Qual seria a sua medida de vingança?"
" Sei lá! Qualquer coisa é pouca para estas duas!", dizendo isso já com a boca seca.
" Para você não basta a mulher estar biruta, horrorosa, chupeta das ideias. Deveria estar capenga, com o olho caído, a boca torta, arrastando o sapato furado..."
" E com o coração saindo pelo peito, caindo nas minhas mãos!".
" Então ficamos com esse final. E você estaria satisfeita se a visse assim?"
" Estaria...", sem muita convicção, porque ao ver a possibilidade se tornar realidade tornou-a pequena diante das injustiças sofridas.
" Você está linda- e qual marido seria macho de dizer o contrário nesta situação?- é bem sucedida e EU estou com você. O marido delas não veio!"
" E ela ficou extasiada com você", lançando um beliscão no coitado.
" Ui, mulher! Quer bater em alguém, a gente volta para a festa e você senta o braço nas irmãs doidonas".
E Carmem saiu do ataque estourando em uma gargalhada que contraiu a barriga e distendeu a tensão do dia.
Foram para casa e riram muitos dias à frente sobre o incidente com as "donas da bola", mais murchas que nunca.
Beijos mil,
Adri.

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