segunda-feira, 27 de maio de 2013

A cidade onde o galo cantava ao meio-dia.

Ela chegou a um vilarejo cuja a moldura era uma sequência de montanhas verdejantes.
O chão poeirento, com pedras de vários tamanhos, atrapalhava o seu deslocamento- feito a pé- e o de sua mala, enorme, sem qualquer rodinha para facilitar o manuseio.
O sol era brando e o céu estava azul e, desde o princípio percebeu um vento constante, soprando se sul para sudeste.
Ajeitou com uma das mãos a mecha de cabelos castanhos que insistia em cair-lhe sobre os olhos e observou o entorno: casinhas muito simples, pintadas em vários tons, crianças correndo e usando  brinquedos que há muito não se via, palhaços por sobre pernas de pau, bailarinas, um mercadinho tosco- com banquinhos na entrada- e, o mais estranho, um enorme galo negro com penas raiadas de vermelho, que cantava exatamente ao meio-dia.
Foi, do jeito que podia, até aquelas pessoas e perguntou onde poderia ficar, pois estava na estrada há muitos anos e o cansaço que a sua mala lhe gerou era imenso.
Todos dela fugiram e as portas se fecharam simultaneamente.
Pensou ela: " Gente estranha... quero apenas guarida...".
Porém, um pouco mais adiante, encontrou uma única porta que permanecia aberta, com uma luz bruxuleante brilhando dentro.
Com muita insegurança, foi arrastando a sua mala até o local, sentindo os ossos lhe doerem a alma.
Olhou meio desconfiada para o interior da residência onde, entre outras coisas,  havia uma vela acesa e muitos quadros pendurados nas paredes.
As paredes, caiadas num tom rosado, manchadas pelo tempo e pelas condições climáticas haviam adquirido um ar de obra de arte, um requinte simplório.
Vislumbrou o vilarejo e observou que permanecia inerte, como se as respirações estivessem em suspenso.
Tomou coragem e entrou no casebre. Ao entrar, a casa adquiriu proporções imensas, uma vastidão impossível.
" Alguém em casa? Estou entrando!", dizendo isto com o coração aos pulos e repetindo, sem cessar, a oração que a avó havia lhe ensinado para afastar o medo.
Uma sala a recebeu, ostentando, ao centro, uma mesa feita com Carvalho, escura, onde havia por cima várias peças.
A mulher foi manuseando um por um. Alguns lhe reportavam familiaridade, outros estavam tão impregnados com a poeira que ficavam, praticamente, incapaz de os reconhecer.
Observou que não existiam móveis para sentar. Apenas mesas- maiores ou menores- aparadores, espelhos... mas nenhuma cadeira ou banco.
A dor do seu corpo aumentava e ela continuava arrastando a sua mala pesada pelos aposentos da casa, utilizando apenas uma das mãos para o reconhecimento do local.
Sofreu um espasmo no ombro e soltou a mala, acompanhado de um grito lancinante de dor.
A mala, velha e consumida pelos anos de estrada, ao ser solta desfez-se em vários pedaços e a mulher, mesmo sofrendo, tentou juntá-los a todos, para ter de volta a sua mala. Como faria para sair daquele local sem a sua mala?, questionava-se enquanto pegava a alça e um pedaço do couro da base.
As lágrimas tomaram o seu rosto e o seu corpo encontrou repouso no chão. Não havia cogitado esta possibilidade para descansar o corpo. Já estava há muitos anos sem descanso que não saberia mais reconhecer como descansar.
E, repentinamente, o vento mudou a sua direção, soprando de sudeste para o sul. Uma areia muito fina entrou pela porta e a mulher não tinha forças para se levantar e fechá-la. Com o vento e a areia vindo em sua direção, fechou os olhos e lá, naquele chão abençoado, deixou-se descansar.
Em sua mente vieram as lembranças de férias na praia e suas mãos miúdas tentando fazer um castelo com a areia. Viu o rosto do irmão que, em sendo pouco mais velho que ela, já tinha coragem para enfrentar pequenas ondas e, feliz, nadava no mar.
E permaneceu ali, naquelas memórias adormecidas pela viagem e acolhidas pela mudança dos ventos.
Quando o vento encerrou a sua didática, a mulher abriu os olhos e viu, claramente, as fotos na parede e os objetos, que de tão empoeirados, não reconhecera de pronto.
Percebeu que eram seus familiares, em diversas ocasiões de reunião. Observou que muitos objetos sobre a mesa eram seus, como a caixinha de música, feita em Marfim, que a tia havia trazido de uma viagem à India.
Sim. Naquela casa havia a sua vida, suas memórias e seus pertences. Uma casa que estivera desabitada por longos anos.
E desta forma, livre do peso da mala que causticava o seu corpo, levantou-se habilmente e saiu porta à fora, batendo de porta em porta, para que os palhaços, meninos e bailarinas retornassem a praça.
A partir deste dia, o galo nunca mais cantou ao meio-dia.
Beijos mil,
Adriana Andollini.




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