quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Portão de embarque: o seu destino

Sentia o amor penetrar em sua pele. Os pelos do braço eriçaram quando ele tocou de leve a sua mão.
Era como se a vida começasse ali, naquele minuto exato em que se esbarraram no aeroporto.
Isabel era geóloga e havia se graduado numa das melhores universidades do mundo e o amor sempre ficara em segundo plano. De família pobre, conseguira uma bolsa de estudos integral e emigrara, levando consigo toda a coragem que possuía e algum dinheiro no bolso. Sua miserável existência se resumiu, até então, a ser exemplar como acadêmica, pesquisadora e tudo o mais que envolvesse o racional. Com isso, tornou-se uma raquítica emocional, mas excelente palestrante.
Naquela tarde, bem no meio do aeroporto em que faria a conexão foi, digamos, "abalroada" por um espécime masculino que lhe fez vibrar as cordas da sua alma. Seu corpo sucumbiu a presença de um homem, sem quaisquer lógicas ou estudos anteriores. Sem hipóteses. Sem teses.
Sentiu-se um animal no cio e começou a se tremer, como uma doente terminal.
O homem sequer percebeu o feitiço que lançara naquela desconhecida. Determinado, tentava pegar todos os papéis que derrubara no chão e, por ironia do destino, atingiram distâncias inimagináveis.
E ela ali, meio acocorada, sem tirar os olhos dele, das suas mãos ágeis, do seu embaraço e constrangimento. Apenas olhava e sentia. E desejava.
O homem finalmente terminou a tarefa e levantou-se, estendendo a mão direita para que ela fizesse o mesmo. Ela a ofereceu como quem dá o corpo inteiro, num despudor de meretriz.
Só então ele percebeu o feitiço do qual era parte ativa. Sentiu a mesma vibração que ela, quando dentro de sua mão sentiu a vida daquela mulher a palpitar nas veias, veias onde até hoje nunca, jamais correra um sangue tão escarlate assim.
Sem trocar uma única palavra, saíram do aeroporto lado a lado, sem desviar o olhar um do outro, sem perder a cadência dos passos.
Entraram num táxi e foram para o hotel mais próximo. Num quarto digno de uma rameira, Isabel entregou-se ao desespero, à luxúria e olhou-se nua no espelho. Os cabelos em desalinho, a pele avermelhada pelos tapas e beijos violentos, aquele desconhecido a lhe possuir como se dela fizesse parte, conhecendo todos os mistérios do corpo que nunca fora, sequer, dela mesma.
Atordoados, famintos, cansados e embriagados do frenesi do sexo feito sem ressalvas, lançaram seus corpos, lado a lado, sobre o colchão gasto, recoberto com lençol marcado por cigarros.
Não houve palavras. Nada quebraria aquele silêncio eloquente, que berrava sem palavras ou gestos.
Isabel arrastou-se até o banheiro e tomou o melhor banho da sua vida. Lavou as culpas, as fobias e pelo ralo, no redemoinho formado pela água que lambia o seu corpo, levava junto as correntes que a subjugaram durante anos.
Cheirou profundamente a toalha de banho, quase sem felpa de tão gasta e sentiu um odor diferente. Sentiu-se aventureira, mentirosa, cortesã. E gostou.
Gostou de ver o corpo nu diante do espelho. Descobriu os seios, passou a mão pela barriga, mediu o umbigo com a ponta do dedo indicador. E adorou
Percebeu que nunca se vira assim. Tão nua e tão...plena. Sem qualquer direção e tão segura.
Voltou ao quarto e observou o homem, com o corpo parcialmente coberto pelo lençol amarrotado, o peito subindo e descendo numa respiração profunda, de quem adormeceu feliz. Sorriu.
Sem nome: sem passado e sem futuro, decidira ali. Olhou-se novamente no espelho, jogando a toalha aos pés, num ato brutal, como se fosse nua para a rua contar a todos o que vivera.
Vestiu-se lentamente, lamentando ter que partir. Calçou os sapatos negros, com saltos modestos. Olhou com desaprovação.
Pensou em secar os cabelos mas desistiu. sairia com eles molhados e secariam ao sabor do vento.
Beijou a testa do homem ternamente, agradecida pela sua liberdade e saiu, com um leve gingado nos quadris, daquele jeito que somente as mulheres que foram meretrizes- ao menos uma vez na vida- conseguem oferecer aos olhos do mundo.
Desceu pelas escadas, carregando a bolsa pela pontinha dos dedos e a pasta como se fosse chumbo.
Pagou a conta e avisou que o seu acompanhante dormia e que o acordassem depois que ela se fosse de vez.
Ao sair observou que, do outro lado da rua, havia uma sapataria. Chegando ao local, sentenciou:
"Sapatos vermelhos. Saltos altíssimos. Agulha."
A vendedora estranhou ao ver o par que ela calçava: austero e de grife.
"Senhora, temos outros modelos, da grife que a senhora está usando, que condizem mais com a sua figura".
Isabel gargalhou de tal maneira que a vendedora sucumbiu ao que fora pedido.
Calçou-os.
"Perfeitos!", pagando e se retirando rapidamente da loja.
"Senhora, senhora. Esqueceu os que calçava", alertava a vendedora que se esticava na pontinha dos pés, acenando na porta da loja.
Isabel virou-se calmamente e foi taxativa:
"Queime-os!"
E lá se foi a mulher, num terninho negro, sapatos vermelhos e um gingado que hipnotizou todos os homens que por ela passavam. Entrou num táxi e deu o destino:
"Aeroporto, por favor".
Em lá chegando, foi ao balcão da companhia:
"Perdi meu voo"
"Temos outro, para o mesmo destino, com embarque imediato".
"Não querida. O meu destino não era este".
Beijos mil,
Adri.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário