quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A árvore dos sonhos

Paulo era um homem cético. Ateu, graças a Deus, dizia ele.
Operava no mercado de ações e era próspero.
Nunca precisou pedir nada a ninguém e se orgulhava disso. Uma lástima como ser humano.
Oco. Inóspito. Sem raízes.
Mas, por um desses caminhos tortuosos que a vida nos impõe, incluindo Paulo, teve que fazer uma viagem de negócios à China e lá tudo deu errado desde o início.
Bom, sob o ponto de vista dele, é claro.
Chegou a Beijing- nome correto da capital, segundo a minha amiga que lá esteve- e suas bagagens não chegaram. Haviam, estranhamente, desembarcado em Paris, numa conexão rápida.
O hotel reservado era razoável e o mau humor era óbvio.
Foi antes da data do compromisso para visitar uns pontos turísticos e aproveitar o tempo. Tudo sem qualquer motivação. Indo por ir.
Máquina profissional, objetiva de 5 milhões de metros - sabem, aquelas que de tão grandes se tornam ridículas nas ruas- e lá se foi o Paulo, visitar a Cidade Proibida, os Templos Budistas- recusando-se a acender um incenso sequer- o barco esculpido em mármore a mando de uma imperatriz viúva- e, cá entre nós, doidona!- e chegou à Muralha da China.
Sentiu-se miúdo diante daquele colosso. Saiu rapidamente, porque a sensação de diminuição não lhe era familiar.
Tirou umas fotos. Postou no face.
Resolveu experimentar o pato colado, no restaurante mais requintado do país. Aprovou com um tom blasé.
Parou numa lojinha, daquelas bem antigas, de medicina oriental e um chinês, com uns trezentos anos de vida, sugeriu ao Paulo uma massagem porque "Ele muito tenso".
Ah! Já ia esquecendo. "Paulinho" era um prodígio. Falava sete idiomas, incluindo o Mandarim.
Se existisse curso de Etrusco clásssico ele correria para aprender- argh! Praia e festa nem pensar...
Meio a contragosto deitou-se na maca pequena- o "resplandescente" era obeso- e recebeu os toques mágicos. Nada aconteceu.
O mesmo sábio chinês sugeriu que o viajante fosse a uma província, um pouco distante, mas que seria a sua salvação.
" Salvação? Chinês maluco! Eu sou bem sucedido. Que mais que ele quer? Ele é que é um fud.." interrompendo a frase quando percebeu um grupo de brasileiros por perto.
Mas, alguma coisa no Paulo o arrastava até aquele destino exótico. Ficou ofendido com a "salvação".
Foi até lá, conhecer o "lugar mágico".
Quando saiu do ônibus, pequeno, pobre e apertado, deparou-se com um vilarejo. Casas baixinhas, uma escola feita pelos moradores, um poço - toda cidade chinesa tem um poço. É o que há de mais estável, segundo o I Ching- e uma longa estrada em terra batida, que ao longe levava a uma árvore frondosa.
Bom, procurou um hotel.
Caros leitores. Esse sujeito é um sem noção... Esperava uma filial do Hilton?
Prosseguindo, conseguiu alojamento com a família do professsor da aldeia, que ouviu a história do próspero homem que necessitava de salvação. E se comoveu.
Serviram uma tijela com uma espécie de sopa de macarrão e Paulo foi dormir.
Um custo. Precisava de uma TV de LED, porque o silêncio o incomodava. Um ar condicionado, porque já era habituado e várias outras traquitanas supérfluas. O chinês se limitou a dizer que não as tinha e foi dormir com a família.
Paulo levantou-se e abriu a janela. Pela primeira vez em muitos anos vira a lua. Linda, cheia, amarela como uma gema. Sentiu o vento no rosto com todos aqueles aromas exóticos e temeu por um resfriado. Fechou a janela e tentou dormir.
Sério, estou ficando enojada com este homem. Vocês querem que eu continue?
Ok, só porque vocês pediram...
O dia amanheceu e o chato mal havia dormido. Serviram o café da manhã típico e o professor resolveu caminhar com Paulo pela tal estrada que eu contei, até a árvore.
Na ansiedade, o viajante necessitava de muitas respostas, mas o chinês permanecia calado.
Ao chegarem, o mestre da pequenina escola explicou-lhe:
"Esta é a árvore dos sonhos e irá solucionar TODOS os seus problemas."
"Sério?!", com um ar de ironia, replicou: " Poderia dar um jeitão na crise global... E tudo nesta árvore. Porque os chefes de Estado não vieram aqui antes?", gargalhando com seus trinta e dois dentes clareados pela minha prima Patrícia- bom, ela tem que ganhar o sustento...
O chinês, calmamente, abaixou a cabeça e iniciou o caminho de volta, deixando Paulo lá, estático diante da árvore.
No dia seguinte- e só no dia seguinte!- o hóspede pediu desculpas pelo ocorrido e foram aceitas com um mero aceno de cabeça, durante o desjejum e com a família em silêncio.
Perguntou, então, como a árvore realizava os sonhos e o professor que o hospedava limitou-se a esclarecer: escreva num pedaço de papel, pense bem forte e pendure entre os galhos"
" Só?!", soltando uma gargalhada constrangedora.
Sério, se fosse comigo eu colocava este Paulo porta a fora, levando uma sova com rabo de tatu (tem tatu na China?).
Continuando, o hóspede foi até a árvore. Sentiu-se esquizofrênico por conversr com uma árvore e começou o discurso: " Senhora... senhorita... Bom, você, árvore dos sonhos, sabe que eu tenho tudo na vida. Sou bem sucedido e, sem me gabar, vim aqui a negócios. Portanto, estou muito bem mesmo.
Tenho um triplex diante da melhor praia, um carrão esporte e um SUV para a casa do lago. Bem, geralmente estou só, mas é porque quero. Gente me desconcentra, sabe, fala muito. Mulheres... Bem, com dinheiro compra-se até amor!", rindo o riso de uma hiena. " Não tenho filhos porque não suporto crianças. Riem muito. Fazem barulho e perguntam demais. Animais também não. Prendem a gente e eu viajo muito, graças a Deus!"
Peraí! Este pulha não é ateu?! Enfim...
Depois de DUAS horas de conversê com a árvore, fez o caminho de volta à casa do professor.
Lavou-se no poço e observou a vida daquele lugar. Tudo muito simples. Meninas com tranças, usando casacos rosa, azuis, uns sapatinhos diferentes. E carregavam água nos baldes!
Aí ele se deu conta que o banho e a comida tinham alguém para carregar a SUA água.
Quando chegou, decidiu que esta seria uma tarefa sua, já que estava sendo hospedado e nada pagava. O professor assentiu.
Assim foi feito, pela manhã e bem cedo. Depois, ao final do dia. E os dias foram passando e o Paulo simplesmente se esqueceu da reunião.
Todos os dias ia fazer "análise" com a árvore- a coitadinha nem recebia por isso!- e colocou o seu primeiro papel.  À distância, o anfitrião observava e sorriu.
Passou a ter rotina: Acordava, buscava água no poço para toda a família, percorria a aldeia e cumprimentava os moradores, ia até a árvore e voltava, pegando a água para a noite. Jantava sem queixumes e dormia. Pela primeira vez sem usar remédios.
E assim se passaram duas semanas.
Num belo dia de sol a árvore floresceu, anunciando o início da primavera.
O anfitrião explicou-lhe que era auspicioso e que todos os desejos seriam atendidos. Paulo, solenemente, curvou-se diante do pequenino homem e respondeu: " Já os foram, meu amigo. Honrada casa que me acolheu, eu agradeço."
Juntou suas coisas, deixou uma enorme quantia para a reforma da escola local e partiu.
Ao chegar a Beijing, seus amigos estavam em alvoroço, a polícia no seu encalço e ele apenas relatou: " Fui buscar a minha salvação na árvore dos sonhos".
Largou os negócios, casou-se com a sua governanta e moram hoje numa casinha, estilo pescador, no litoral brasileiro.
Ah, já ia me esquecendo: Claro que cercados por seis lindos filhos, vindos no outono das suas existências.
Todos adotados.
Um de cada continente e o caçula, brasileiro.
E, é claro, muito, muito barulhentos. Como as ondas do mar onde brincam.
Beijos da "Cerejinha do Sundae",
Adri.

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