quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O craque do cinema

"Poltrona 15..., fila K..."
"Fila...K..."
-SUZANA, ACHEI!!!!E, desta forma nada elegante, Maurício - o famoso Mau-Mau- fez-se notar no cinema lotado, com as luzes já se apagando, num sábado à noite.

Suzana agradecia mentalmente a Deus porque Ele, maravilhosamente, permitiu que ninguém a visse com o namorado. "Graças a Deus! Luzes apagadas!" repetia para si mesma como quem repete o mantra da prosperidade.

Maurício acenava como um náufrago no meio do Atlântico, como se Suzana não visse os quase 1,90 dele, rodeados de uns tantos quilos de falta de senso. Namoravam há mais de seis anos e nada de casamento. Aliás, quando eram convidados para padrinhos dos inúmeros casamentos dos amigos - que ocorreram nestes infindáveis seis anos - Mau-Mau sempre fazia a mesma brincadeira no momento célebre - de tombos a tabefes- do buquê: " Vai lá não, Suzana! Vai que você pegue eu vou ter que sair correndo da festa", isso alto, com a guarnição de gargalhadas habituais. E Suzana, sorrindo amarelo, tentava manter um pouco da dignidade, acrescentando um " Ele não é assim, normalmente. Só quando bebe...".
Certa vez uma senhora, que já encontrou o casal em três casamentos, retrucou: " Filhinha, então ele vive bêbado!". Suzana queria um buraco. Para enterrar o Mau-Mau, óbvio!

Voltando à nossa história, o Maurício estava lá, se remexendo todo para avisar que havia


achado a "Arca da Aliança" na fila K, poltronas 15 e 16.  As luzes se apagaram totalmente e Suzana foi discretamente ao encontro do namorado. Detalhe: O filme era em 3D...

Pensem no desespero da coitada, ao lado do sem noção.... Ele pegou os óculos, pôs umas trezentas vezes (inclusive de cabeça para baixo - "Será que se enxerga melhor?") e partiu para os comentários típicos do Mau-Mau : "Suzaninha, olha só que IMAGEM!", aumentando o tom da voz e recebendo uma salva de vaias. Não se conteve. Quando o filme começou, iniciou-se o campeonato: Eram ruídos imitando os personagens, as gargalhadas que ultrapassavam as demais, soltou puns - "Ops! rindo. Fui eu não, foi a velhinha lá de trás!", abriu o saco de chocolate em forma de pastilha e jogou metade para dentro da boca, enorme, por sinal.

Suzana olhava para a cena como se estivesse fora do corpo e em um outro filme. Tirou os óculos 3D, postou-se de lado na poltrona e apenas refletia sobre sua vida.

Não conseguia entender o que a prendia a este homem. Homem não, crianção!

Olhou como se visse pela primeira vez as pernas peludas do Maurício ( Sábado à noite e ele foi com bermuda de surfista, aquelas bem estampadas. Detalhe: Ele não pega onda!), o chinelão com as unhas sem cuidados, a camisa pólo com grife (Maurício era assim: Cueca de Mickey, camisa de grife e chinelão de feira. Muuuuito eclético - porque era rico. Se pobre, era um ridículo!), o cabelo cortado na forma do jogador de futebol do momento.

Até era bonito, mas Suzana não percebia mais nada nele além da inadequação, infantilidade e desrespeito.

Descobriu-se desrespeitada pelo namorado. " Como não vi antes???"

Olhou para si mesma: Fez as unhas, colocou perfume ( apenas o suficiente para ser notada), pôs um belo vestido (que havia lhe custado meio salário) e estava com lindas sandálias rosa salmão, que ainda pagava a última parcela. Não era rica, mas estava melhor que Mau-Mau... Era mais educada, gentil, cumprimentava todos, do porteiro ao Ministro - mas nunca encontrou um Ministro- e por quê, então?

"Pelo dinheiro? Não!". Maurício dividia qualquer despesa dos dois.

"Então... Por quê?", questionava-se sem qualquer resposta.

Voltou à realidade e viu o namorado, no seu campeonato particular, acertando pipocas no cabelo de uma senhora, duas fileiras à frente. Parecia que a mulher estava com espuma de banho sobre os cabelos!

" Maurício!" -disse baixinho. " Para com isso, seu doido!

" Gata, comigo é assim. Eu sou o craque!", estufando o peito e todo o mais.

E era mesmo. Mau-Mau se atrasou para o cinema porque TINHA que vencer a última partida do campeonato de futebol de botão do seu condomínio. E venceu!  Claro que o campeonato era sub-oito...

Repentinamente, Suzana sentiu um par de olhos a observá-los- Já tiveram a sensação de que alguém está espetando os olhos na sua nuca? Pois é... - e virou-se para trás.

Viu um homem em diagonal a eles, na fila L, olhando fixamente para o casal. Sentiu-se mal, envergonhada, por ela aturar o Maurício e por Maurício ser quem é.

Olhou novamente: O homem abrira uma carteira, fez algumas anotações e segurou algo entre as mãos.

" Meu Deus - pensou ela- será que o cinema tem uma espécie de olheiro, que está anotando tudo sobre a gente?".

A preocupação era cabível porque esse era o programa mais "romântico" do casal em quase todos os finais de semana!

"Maurício... Tem um homem anotando sobre nós..."

" Suzana, o monstro vai arrancar a cabeça do esquilo e você tá me falando do homem?! Deixa o cara... Ele deve ser Hipertenso."

"Hã?"

" É, quando o sujeito fica hiper tenso na escuridão, todo mundo junto, fechado... É isso... Olha, você é legal, mas tem que se informar mais!"

E nesta sentença, Suzana olhou para trás e viu que  o homem continuava a escrever, apoiado sobre os joelhos e NO ESCURO!

Neste momento de desespero em que a coitada se encontrava, o celular do Mau-Mau tocou e ele não perdoou: Atendeu, gargalhou (aquele Kit, sem os puns!) e, claro, o cinema veio abaixo: Gente xingando a mãe dele, mandando ele ir para uns lugares que não vendem passagens, tomar umas coisas que não cabem em copos... Uma algazarra!

Luzes acesas. Dois parrudos entram na sala de exibição e "convidam" o Maurício a se retirar, espontaneamente escoltado e o público, solenemente, o saudava com gloriosas vaias de tristeza pela ausência sentida! Saída digna de um craque!

"Vocês não sabem com quem estão falando! Vocês não sabem quem é o meu pai!", ao que o público respondia com "Judas", "Nero", "Napoleão Bonaparte", com as risadas correndo frouxas.

Mau-Mau saiu indignado com o tratamento, ameaçou processar o Shopping, o cinema, o gerente, os parrudos e até a moça da limpeza, que começou a chorar.

Suzana, em mais uma vergonha, acompanhava o namorado quando viu que o tal homem também saíra.

" Maurício! O homem que eu vi no cinema está...", não chegou a terminar e recebeu um tranco do namorado: " Olha aqui, Suzana. Você é um saco! Não ri, não se diverte, fica nessa historinha de saída romântica e eu venho. Para o quê? Nem para me defender?"

" Hã?!"

" Qualquer mulher que se preze defenderia o seu homem. É batávico!"

" Você quis dizer ATÁVICO?"

"Caraca! Sempre se achando a tal..." e saiu ventando, para pagar o ticket do estacionamento.

Foram andando, em silêncio tumular, até que Maurício percebeu que estava sendo seguido. 

Como homem que é, virou-se para trás, viu um outro homem e deu um pinote de corrida, digno de medalha de ouro. Afinal, ele é o craque!

Suzana ficou sozinha, deixada pelo namorado e alcançada pelo estranho. Maurício entrou no carro importado de um só golpe, suando por todos os poros, tentado falar no celular enquanto travava as portas.

" Sem sinal! É sequestro, na certa!", olhando pelo vidro que o sujeito conversava com Suzana. Ela sorria, passando levemente os dedos pelos cabelos castanhos.

Ambos se dirigiram ao carro do craque, que de tão nervoso, não conseguia dar a partida. Coração acelerado... O estranho e Suzana JUNTOS... "Essa vadia me fez uma emboscada!

Vai pedir resgate!".

O observador bateu de leve no vidro do automóvel e pediu para o "craque" abaixá-lo.

" Tô armado!". Nos seus olhos, lia-se " Quero a minha mãe e uma calça limpa!".

Não tendo êxito, o estranho homem (por sinal, bem apessoado) deixou no para-brisa um cartão e afastou-se, dando o braço para Suzana, que sorria docemente, sempre encaracolando uma mecha de cabelo.

Maurício, trêmulo, celular à mão, pegou o cartão e leu: DOUTOR FELIPE MIZ. MÉDICO PSIQUIATRA. RUA DAS ORQUÍDEAS, Nº 1. TEL: 2222-2222.

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