quarta-feira, 24 de abril de 2013

A depilação

Guilherme respirava fundo enquanto aguardava na sala de espera. Pensava em tudo o que aprendera com as aulas de Yoga e tentava a calma mais profunda do ser. Não funcionou.
Levantou-se e pegou uma dessas revistas próprias para emburrecer, onde só se olham as fotos.
Também não conseguiu desplugar.
Até que a recepcionista chamou o seu nome:
" Guilherme. Por favor, acompanhe-me até a cabine".
O homem, na faixa dos trinta anos, bem sucedido na carreira, teve uma vontade irresistível de chamar pela mãe. Mas se conteve. Esboçou um sorriso amarelo como foto antiga e acompanhou num compasso emudecido a moça pelo corredor iluminado.
Chegou a cabine, padronizada pelo sistema de franquia, com cor fria e sensação de higiene.
Sim, queridos leitores. Apenas temos a "sensação" porque, na realidade, sempre imagino se vou pegar sarna ou qualquer outra coisa com ceras que dizem ser "recicladas". Enfim, retomemos a nossa história.  Uma outra jovem entrou no local e o revitalizou com um sorriso sincero:
" Bom dia, senhor Guilherme. Eu sou a Thaís. É a sua primeira vez?"
" Sim- extremamente constrangido- e espero me sair bem..."
" Não vai doer como dizem. Eu sou muito especializada.", terminando a conversa mexendo o recipiente da cera com uma espátula.
"Se estiver quente para o senhor, avise-me, ok?!"
" Hum, hum"- automaticamente- pretendendo entender o "quente para o senhor". Se era a primeira vez, como teria um termostato?
"Só o peitoral, senhor? Braços?"
" Obrigado, Thaís. Só o peitoral, claro, incluindo a barriga"
" Entendido", terminando com um sorriso que de meigo foi a sádico. Guilherme pensava o que teria levado aquela jovem a seguir uma profissão tão...tão... SÁDICA! Depilar pessoas como avó Cotoca retirava penas das galinhas- e patos- que comiam aos domingos. Agora ele era a caça!
Sentiu  a espátula passando a cera dourada sobre o peito e espalhar até a região do umbigo.
"Uau! Até que era gostosa a sensação! Poxa, e as mulheres dizem que é ruim, difícil. Nossa! É até afrodisíaco" e agradeceu a Deus estar com uma calça Jeans e não com um short ou moletom...
Thaís ligou o ventilador e a cera endureceu, quando esfriou.
" Preparado, senhor Guilherme?"
E Guilherme, num estado de semiconsciência, naquele esquema soninho bom, fez um novo "hum, hum", sem ter qualquer preocupação na mente.
E...crash! Uma lapa de cera saiu com uma tonelada de pelos que acompanharam Guilherme desde a puberdade e faziam parte das suas memórias.
A depiladora deu um sorriso de vitória e acrescentou: " Ótimo! Saíram sem deixar o bulbo".
Guilherme tremia-se todo. Sentiu a alma sair do corpo, como nos documentários que assistia na Tv por assinatura. Aqueles que falam sobre pessoas em coma que vêem os seu corpos, a alma boiando por cima. Sabem?! Então, o homem não deu um grito, mas perdeu as cores.
" O senhor está bem?", ar preocupado com um possível desmaio- coisa corriqueira quando a depilação é em homens.
" TÔ ÓTIMO DEMAIS!", gritando a dor que sentia, tentando entender o que o levara até ali.
"Ah, foi pela Bianca",  lembrou-se, a figura da Thaís meio desfocada pelas lágrimas que invadiram os seus negros olhos.
A Bianca era uma mulher linda, cobiçada pela macharada, uns vinte anos que malhava na mesma academia que o coitado. E ele, como todos- incluindo o pipoqueiro da esquina- acabou se apaixonando pela moça. Numa conversa, enquanto dividiam o aparelho de musculação, ela demonstrou um certo nojinho por pelos e fez uma cara equivalente ao sentimento de repulsa.
O Guilherme percebeu que, mesmo se fosse o homem mais interessante do mundo, seria derrubado pelos pelos.
Daí para a depilação foram dois palitos de tempo.
"Senhor... Senhor... podemos continuar?"
"CLARO!", como um General que vai ser trucidado, mas com sua honra impoluta.
Aliás, "impoluta" é uma palavra linda, não é?! Pena que poucos irão gostar... Vou melhorar: intacta!
Prosseguindo, a depiladora terminou o serviço, deixou o Guilherme liso como bundinha de neném e vermelho como um russo num inverno de quarenta graus negativos.
O rapaz saiu da cabine, deu uma gorjeta para Thaís - ele se achou maluco por premiar a sua verduga- pagou o serviço na recepção e saiu.  Até a porta, manteve-se ereto. Quando percebeu que não era mais visto, curvou-se para frente e ganiu um P... Q...P...RIU que foi ouvido no Japão.
Três dias sentindo como um tecido pesava sobre a pele, dormindo sem camisa e gemendo toda a vez que se mexia na cama. As noites se tornaram infernais e os banhos o alívio almejado. A água fria era um bálsamo, sempre acompanhado de um p..q..p... fraquinho, num alento de alma que volta da morte.
Quando consegiu retornar à malhação chegou todo-todo, com a camiseta mais aberta e pronto para conquistar a B  I  A  N  C  A.
Surpresa!!! A moça estava aos beijos com Otávio, um professor da academia, para quem quisesse ver.
"Como? Quando?"
Tudo ocorreu durante o afastamento do Guilherme, enquanto a sua pele novata se habituava ao ritual diabólico. Perdera Bianca.
" Mas o cara é todo peludo. Parece um Gorila: Parrudo e peludão". Ah, teria que resolver isso! Afinal, "eu não sou idiota"- pensava para consigo mesmo.
"E aí, Bia? Com o Otávio?"
"É... E você? Faltou por quê? Doente?"- ela era assim, meio sem palavras. Como aquelas revistas que eu narrei no início.
" Sabe, eu não entendo... O cara é um macaco de tão peludo!"
" Ai, eu acho pelo o máximo! Dá uma virilidade....", mordendo o canto da boca, como se lembra de alguma cena.
Isso enfureceu o Guilherme. Afinal, ele quase morreu para agradá-la e merecia uma explicação coerente!
" VOCÊ ME DISSE QUE TINHA "NOJO" DE PELO E OLHOU NA MINHA DIREÇÃO!", gritando mesmo.
" Cara, tá maluco? Que ácido você tomou?! Isso vai matar você!" - Nossa! Ela conseguiu desenvolver um raciocínio com princípio, meio e fim. Seria um sinal do fim dos tempos?!
" DISSE!"
" Cara, se eu disse devia estar olhando para a Nadir. Ela levanta os pesos e rola uma, tipo assim, "floresta" embaixo da axila".
Nesse momento tudo fez sentido. Foi com o "embaixo da axila" que ele percebeu o erro da sua vida.
" Seria...NA axila?"
"Cara! Você já percebeu também?", agitando os longos cabelos com alongamentos de um lado para o outro.
Sem mais delongas, o "depilado" desistiu de malhar e foi na direção do Instituto de Depilação.
" A Thaís, por favor."
"Um momento", retirando-se a recepcionista e retornando com a moça.
" Como vai, senhor? Ficou bem?"
" Ótimo! Tem horário?"
" Nossa, mas não deu tempo de crescer. Tem uns três ou quatro dias, não é?!"
" Quero fazer as costas e os braços", como uma sentença e um tom de voz duro.
" Uau! Esse é o homem!", colocando o sorriso sádico em substituição ao meigo, só usado para receber os clientes.
E assim foi feito. Entre lágrimas e cera morna, Guilherme chorou sua dor- que Thaís acreditava ser da depilação e reviu a sua vida.
E vocês me perguntarão: Por que ele faria mais depilação?
Simples: Ele queria ser o mais diferente de Otávio, " O conquistador".
Beijos mil,
Adri.





2 comentários:

  1. Imagine o Seu Antonio, em uma sala de depilação, naquele filme Se eu fosse você, retiraram apenas uma faixa do peito dele, imagine a dor, RSRSRS. Adoramos o texto bjssss Paty e Léo

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  2. Oi, meus amores!
    Cheia de saudades recebi o comentário de vocês e rolei de rir com a imagem dele passando por algo maior que uma faixa! rsrsrs
    Obrigada pela amizade e por serem leitores assíduos.
    Beijos,
    Adri.

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