sexta-feira, 12 de abril de 2013

O bilhete

Domingo de Carnaval.
Alberto escrevia o seu bilhete de despedida desta vida. Maiara, sua esposa há quatro anos e namorada há quinze o deixou. Fugiu com o personal trainer.
"Aquele cretino... Quantas vezes apertei aquela mão- que estava no corpo da Maiara- Ai... o corpo da Maiara... Aqueles seios...", pingando o papel com lágrimas sofridas de um homem que pagou religiosamente o personal para transar com a esposa. Claro que ele sequer desconfiava!
Mas, no final das contas, era isso mesmo, não é?!
Prosseguindo a nossa história, dentre as centenas de blocos que atravessariam as ruas da cidade, em especial a dele, naquele momento Alberto ouviu a marcação do surdo, o ziriguidum dos pandeiros e os foliões cantando uma marchinha antiga, sempre em moda- " Aláláô, ôuô, ôuô! Mas que Calor, ôuô, ôuô!"
Ele não se aguentou: correu para a janela e sacolejou as mãos, num ato desesperado de dor incompatível com folia.
Pior: o pessoal, lá da rua, acenava de volta, jogando confetes e serpentinas na direção do coitado. Acreditavam que ele os saudava, participando ativamente da festa.
Retornou à mesa, ao seu bilhete, mais nervoso e desatinado que nunca.
" Como podem sambar e serem felizes diante da minha dor, quando estou prestes a deixar o mundo. Gente sem coração", terminando a frase num lamúrio, como de criança febril que pede colo à mãe.
No papel só se lia: " FUI DEIXADO PELA MAIARA" e nada mais.
Empacou ali. Começou a rever as cenas da vida vivida a dois, lembrando-se do dia em que se conheceram, o primeiro beijo, o casamento e tome chororô que o papel, se pudesse, enviaria um S.O.S por medo de afogamento.
E o bloco ali, estacionado defronte ao edifício do Alberto, aguardando mais dois blocos que se encontrariam no local e fariam a escolha da " Musa dos Blocos" do bairro.
Xi! Aí o Beto endoidou de vez. Foi à área de serviço, encheu o maior balde que restou no imóvel com a água mais gelada que pôde. Com a decisão de um cowboy de filme B foi até a janela e mandou em cima dos foliões.
" Pronto! Quero ver se ficam por aqui. Hum!"
Quando o sujeito está com a sorte invertida, é fogo: a galera dos blocos foi ao delírio, gritando
"J O G A! J O G A   M A I S!", em ritmo de samba.
Claro, num calor que até o capeta tira férias e se retira para lugares mais amenos em temperatura, o Alberto virou um deus do Carnaval, que aliviou um pouco do calorão dos foliões.
E  foi vencido pelos pedidos persistentes, lançando uns dez baldes sobre o pessoal.
Um pouco mais calmos, voltaram aos sambas e marchinhas e deixaram o Beto, brevemente, em paz.
Suado, retornou ao bilhete e à única frase escrita. Empacou novamente. Pensava no parrudo, tatuado e bronzeado de praia, entrando em sua casa, dando tapinhas nas suas costas..." Filho de uma p....".
Um alguém do bloco resolveu perguntar o nome do cara, " muito maneiro" que jogou a água redentora, para o Zé, o porteiro que ostentava um colar de havaiana e peruca rosa, na porta do prédio- estava em horário de trabalho e não deixaria o posto jamais!- que, prontamente deu a ficha.
Era o que faltava. O povo, como uma filarmônica, gritava ao som do samba:
" Alô Alberto! Cadê você! Eu vim aqui só pra te ver!"
E quem consegue concentração numa situação dessas? Alberto queria escrever um bilhete sincero, suas últimas palavras ao mundo. E deveria ser, no mínimo, sério e ter mais que uma linha, ora!
E olhava para as poucas roupas que a adúltera deixara para trás. Uma saia xadrez, um sutiã vermelho e um par de meias colegiais.
A galera lá, no samba-suor-cerveja e..." Alô Alberto" sem parar.
Momento derradeiro, Alberto se cansou do mundo em que vivia. Pegou as roupas que foram de Maiara e, num rompante, foi para o banheiro, trancando-se lá.
Qinze minutos depois saiu, todo "trabalhado" com as roupas da fujona que, claro, estavam apertadamente ridículas. Mas era Carnaval e valia tudo.
Ah, sim! Ele escreveu o tal bilhete: no espelho do banheiro, com batom vermelho, lia-se
                                       " F U I     e    F...-SE  MAIARA!"
Beijos mil,
Adri.



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