quarta-feira, 10 de abril de 2013

O dia da mudança

Luiz estava armado, correndo pela savana quando se deparou com um leão enorme. Sem titubear, deu-lhe dois tiros e continuou a sua fuga. Apareceu um trem e, com um único golpe subiu a bordo quando, de repente, viu-se no alto de uma montanha e alçou voo, vendo lá embaixo a casa da avó Cotoca.
Blam!
"Ui...", acordou o menino no chão do seu quarto, sem qualquer aventura a não ser ir à aula.
" Droga, ainda faltavam quinze minutos para o despertador tocar...", dizia isso enquanto esfregava um dos olhos e tentava entender como fora parar no chão.
Dormir novamente tornara-se impossível, então o menino resolveu ir à varanda do seu quarto, olhar a vida que igualmente despertava ao seu redor.
Ao olhar para baixo, observou um caminhão de mudanças e uma família chegando ao edifício.
" Legal! Será que tem algum garoto da minha idade?"
Sim, porque no condomínio onde o Luiz vivia só existiam os extremos: ou crianças com idades inferiores aos seus maravilhosos dez anos ou adultos. Brincava mais com a garotada dos outros edifícios, mas seria mais confortável ter colegas ali mesmo, para jogar um futebol ou um game.
Quando olhou melhor, viu a imagem que mudaria a sua vida: linda, ruiva, olhos verdes- ou seriam azuis?!- uns vinte anos de idade.
" Nooooossa!" dizendo isso, com o coração aos pulos, ouviu a mãe o chamar para a escola. Nunca o Luiz tomou um banho tão caprichado, usou o melhor perfume, esticou bem a roupa no corpo e quando chegou à sala da família causou perplexidade: estava um lorde!
Engoliu qualquer coisa, estalou dois beijos no ar e se foi, ao encontro da mudança.
O elevador demorou uma eternidade e, quando as portas se abriram, seus olhos encontraram um decote e foram subindo até perceber as esmeraldas em forma de olhos de Larissa.
" Bom dia", cumprimentou a moça.
" Hum, hum..", abaixando os olhos como um ladrão confesso.
" Indo para a escola?"
" Hum, hum...- sou uma besta, porque não consigo falar nada que preste, do tipo "Bem Vinda ao prédio- Veio de onde?", mas o Luiz permanecia numa eloquência de mudo em festa Rave.
Chegaram à portaria naquele zero a zero e o menino foi na direção de sempre, com uma raiva de nunca e um sentimento no peito, recém apresentado.
As aulas foram de corpo presente, contando os minutos para o dia acabar e poder interrogar o Malaquias, o porteiro morador que, como todo porteiro que se preze, já saberia a ficha de todos os "forasteiros".
Mal bateu o sinal da saída e o Luiz correu na velocidade da luz, deixando os colegas da pelada na mão, sem entenderem nada.
" Pô, Luiz! Onde você vai? E o jogo? Esqueceu que é goleiro?"
"Outra hora, outro dia", saindo esbaforido pelos portões rumo à mulher da sua vida. Sim, porque durante os horários de aula, havia decidido que com ela se casaria, teriam três filhos e ele sustentaria a família sendo astronauta. Tudo bem planejado, já possuía um futuro a ofertar, sorrindo consigo mesmo.
No meio do caminho viu a carrocinha do picolé, parada obrigatória nos dias de calor. Parou. Nisso que ia pedindo o de limão, olhou para as mãos suadas, agarradas ao dinheiro e desistiu. Compraria uma rosa, vermelha, lá no quiosque da Dona Salma. " Era tanto por tanto e, se não desse, pegaria o dinheiro do lanche que tomava antes do inglês e inteirava. Mas a rosa seria dela!"
E assim foi.
Chegou ao prédio com a rosa dentro da embalagem plástica e a língua afiada para o interrogatório.
" Malaquias, meu amigão. E as novidades?"
" Eu, hein, Luizinho?! Que novidades?"
" Ué, o pessoal novo que eu vi chegar hoje, pela manhã".
" Ah! São os Nogueiras. Gente muito boa, muito decente. Vieram da rua de trás porque precisavam de uma vaga a mais na garagem. A filha mais velha, a Larissa, estuda medicina e comprou um carro..."
E antes que o coitado do Malaquias terminasse, o Luiz já estava a caminho do elevador para dar as boas vinadas aos novos vizinhos.
" Ei, Luizinho! Onde vai nessa pressa?!"
" Vou... Para casa, ué?!
" Ah... Pensei que fosse querer saber mais do pessoal do 801"
Ahá! Então foram para o 801, desocupado desde que os pais do Tavinho se separaram e venderam o imóvel...
" Tchau, Malaca!"
E num rodopio entrou no elevador e apertou o "8".
Coração aos pulos, mãos frias, "serei astronauta" como um mantra, quando o elevador parou. Portas abrindo e, como se a vida se tornasse lenta, encaminhou-se passo a passo para a casa da Larissa.
Tocou a campainha. Esperou- uns dois segundos, talvez-tocando em seguida aflitamente:
" Cruzes, vai tirar o pai da forca", alguém gritou lá de dentro. Agora só uma porta o afastava da amada.
Quando a porta abriu viu uma mulher atarracada, mal encarada- claro!- que perguntou secamente:
" Que foi, garoto?"
" Eu queria falar com a Larissa, por favor."
" A DOUTORA Larissa está no estágio e você deveria estar estudando para, um dia, chegar lá", dizendo isso, fechou a porta nos sonhos do menino.
Desceu um andar e chegou ao seu aprtamento, arrastando a mochila pelo chão.
" Ai, meu filho! Você lembrou do aniversário da mamãe", dizia a coitada da Marcela, achando que a rosa era para ela. " Viu só, Sérgio?! EU educo MEU filho melhor que a SUA mãe educou o dela".
E Sérgio, que havia ido almoçar em casa somente porque era o aniversário da esposa odiou, em silêncio, o gesto do filho, que manteve a pose e tascou um monte de beijos e abraços na mãe.
Os dias foram passando e Luiz não conseguia rever a sua amada, nem mesmo no elevador. Armava emboscadas, ficava na portaria ao ponto do Malaquias estranhar e nada.
Num sábado à noite ouviu um roncar de moto. Foi até a varanda e viu Larissa, pendurada no pescoço de um homem- que, segundo o Luizinho, era horrendo- de uns vinte e poucos anos, aos beijos. Montou na garupa e foram embora. O menino acocorou-se no chão e chorou baixinho. Alguém chegou antes dele...
Aquela noite foi um inferno na família porque o garoto teve febre, sentiu dores no estômago e foi levado ao hospital.
O problema, queridos leitores, é que o mal de amor não aparece em exames e foi diagnosticado como VIROSE. Sim, porque tudo o que não se sabe hoje, em medicina, é VIROSE.
Hidratação, repouso e asim foi. Mas dentro de si, Luiz sabia que era raiva do motoqueiro. Raiva da Larissa. Raiva do mundo todo, até daquela cachorrinha de lacinho, que era sua vizinha, a Jujuba.
Para piorar o quadro, as famílias do Luiz e da Larissa se tornaram amigas. Pronto, deu-se o enredo em ritmo de samba.
O moleque virava o capeta cada vez que se reuniam: derramava refrigerante no motoqueiro, colocou laxante na bebida do coitado e, num desespero absoluto, derrubou o gnomo- o gnomo servia, tão- somente como peso de papel, para as provas e boletins com notas ruins, antes do pai assinar- da varanda, quase acertando os namorados.
Até que, um ano e meio depois, veio a mais temida das notícias: Larissa vai casar!
Claro que a família do Luiz foi convidada e o garoto, de pronto, avisou que não iria.
" Por que, meu filho? A Larissa gosta tanto de você?", questionava a mãe, diante da recusa veemente do filho.
" Porque não! Detesto casamentos!"
Mas foi, com um terno alugado, um bico maior que o de Tucano e, só de raiva, tomou um banho de gato.
Mas Larissa, durante a festa e para espanto de todos os convidados, depois de dançar com o noivo atravessou a pista e foi até o Luiz, sentadinho num canto virado para a rua.
" Dança comigo, Luiz?"
E ele, vendo a mão estendida, Larissa linda naquele vestido de noiva, sentiu-se incapaz do não. Ele era todo sim, para qualquer coisa que ela o pedisse.
E dançaram uma música inteira, só os dois na pista, ele na altura do decote dela e os olhos arregalados dos convivas.
" Sabe, Luiz...  Eu estou casando porque eu amo o Rafa"
"Sei...", meio contrafeito com o rumo da conversa, durante a dança.
" Mas você tem tempo. Olha ali, no meu lado direito"
" Onde?"
"Ali, uma menina com vestido rosa..."
E Luiz encontrou. Uma mini Larissa, com uns dez anos também, encantada com o menino que dançava com a sua prima.
" Aquela é a Jaqueline, minha prima de outra cidade. Veio só para o meu casamento. Mas poderá vir outras vezes... Você tem tempo... Não acelere a vida!"
E Luiz sentiu novamente o coração acelerar, como no dia em que viu a mudança. E refletiu, num sorriso esperançoso:
" É! Eu tenho muito tempo!"
Beijos mil,
Adri.




2 comentários:

  1. No dia do nosso nono aniversário de casamento, resolvi reler o texto. Primoroso. E que busca uma reflexão. Com dez anos ou quarenta e dois, "eu tenho muito tempo"! Quantos do nós se julgavam perdidos? O texto é uma crítica velada aos pessimistas (como a mãe da DOUTORA Larissa)...
    Beijos, com muito amor,
    Marido.

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  2. Maridão lindo!
    NÓS temos muito tempo, se Deus quiser!
    Espero que ultrapassemos as Bodas de Ouro, com festança bem ao nosso estilo.
    Beijos mil, da sua e sempre sua
    Adri.

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