sábado, 2 de março de 2013

E o futuro?

Três árvores conversavam desde pequeninas sobre os seus futuros numa reserva ecológica e reflorestável. Por serem de grande porte, teriam grande quantidade de madeira a oferecer ao mundo.
" Com certeza, serei parte de um transatlântico majestoso, singrando o oceano e sendo motivo de alegrias a todos que em mim viajarem" dizia a primeira ao que, de imediato, era respondida pela que a avizinhava:
" Pois sim, que isso é pouco para mim. Gostaria de servir aos humanos como a madeira de uma linda igreja ou templo, onde houvesse paz e meditação. Um encontro com Deus é o melhor futuro para uma árvore", solenemente encerrava.
A terceira contestava: " Sinceramente, desejo ser uma mansão. Sim, onde somente a pujança e abundância de mim desfrutassem.  Ricos,  famosos e felizes".
A que pretendia a serenidade dos templos ponderou:
" E quem disse a você que este pacote traz a felicidade aos humanos? Pois foram estes ricos que ceifaram muitas de nós, de maneira ilegal e tranformaram o mundo num lugar desequilibrado".
" Querida. Eu não invado os seus sonhos e você não interfere nos meus, ok?!" e assim encerraram a discussão no meio da reserva, acompanhada de perto por várias delas que sequer tinham SONHOS.
Passaram-se muitos anos e várias gerações de humanos até que, numa manhã de sol- já repararam que tenho paixões por manhãs de sol em minhas histórias, apesar de amar acordar tarde?!- e os recolhedores vieram cortá-las. O dia tão esperado havia chegado e o futuro se descortinava, fresco, límpido, como uma tela em branco a ser pintada por um grande artista.
Uma delas estremeceu diante da serra mas foi acalmada pela amiga de tantos anos:
" Acalme-se. É somente uma passagem. Hoje temos raízes que nos impedem de provar o  mundo, de ir e vir. E, se tudo nos for favorável, em breve teremos o que tanto ambicionamos."
E assim foi. Uma dor única acalmada pelo futuro jubiloso.
Cada uma delas teve um destino.
A que pretendia ser um transatlântico foi direcionada para uma fábrica de caixões e, mesmo frustrada, entendeu a sua importância: " De alguma forma, será feita comigo a última viagem, de ricos ou pobres. É digno e me sinto feliz."
A que sonhava em ser um templo ou igreja foi levada para construir um acampamento de verão, que serviria a muitas crianças e jovens barulhentos. No início sentiu-se traída nos seus desejos e revoltou-se. Afinal, pretendia servir ao espírito e não a romances e gincanas juvenis. Depois, ouvindo os comentários dos arquitetos incumbidos da obra, ficou empolgada e percebeu que, de alguma forma, seria útil aos propósitos do Mestre, porque sob seus telhados e sobre seus bancos seriam formadas novas gerações de humanos que, felizes, gerariam uma corrente do bem. E sentiu um estremecimento de alegria.
Quanto à terceira, a que pretendia ser uma mansão, foi destinada à uma fábrica de berços, para classes operárias e menos abastadas. Indignou-se! Fora traída em toda a sua vida de espera.
" Hum... Imagine servir à crianças miseráveis. Fiquei na pior situação possível e serei motivo de chacotas das outras árvores da reserva."
Quando toda a sua madeira havia sido convertida em berços, lindos apesar de simples, com pintura branca e desenhos em rosa ou azul, viu um casal muito modesto, com roupas surradas entrar no stand de exposição dos artigos à venda.
Foram atendidos pelo gerente da fábrica que os explicou que não haveria venda direta ao consumidor e que procurassem um representante da empresa.
O casal, muito jovem na sua igual  pobreza, entreolhou-se e argumentou que, numa loja os preços seriam maiores e puxaram as economias da bolsa da mulher, já com a barriga proeminente, e as mostraram ao gerente.
Irredutível, reafirmou que lá não seriam feitas vendas diretas.
" Senhor, é tudo que temos e nosso filho nascerá sem ter onde dormir. Somos pobres, é verdade, mas queremos dar o que temos de melhor para ele. Já o amamos desde o primeiro momento."
E a árvore, agora tranformada em diversos berços, emocionou-se e desejou ardentemente acompanhá-los nesta jornada. Como não poderia falar, usou de um artifício que aprendera na floresta.
Quebrou-se. Mas só um pouquinho.
" Mas que barulho é esse?" reclamou o gerente e foi até o stand e descobriu um bercinho fora dos padrões de qualidade da empresa.
"Então, o que fará com ele? E é azul, para um menino", ponderou o homem, agarrando ao ponto de suar o dinheiro que estava em suas mãos.
" Vá lá. Leve-o. Para uma loja não será aceito mesmo."
E o casal saiu feliz, cada qual levando uma lateral do móvel e a árvore que ele foi um dia sentia-se deliciada, sonhando com as aventuras que viveria ao lado daquele pequeno humano que estaria por vir.
Beijos mil,
Adri.

4 comentários:

  1. Ótimo texto! Tudo depende mesmo de como encaramos as coisas, do nosso olhar diante da vida.
    bjs em todos,
    Kamila

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  2. Obrigada, Kamila!
    Além de prima tornou-se leitora do nosso site, motivo de honra para mim.
    Bela observação quanto ao tema do post porque, na realidade, tudo depende do nosso ponto de observação mesmo!
    Beijos em todos, da prima orgulhosa, pois você sabe como ENCARAR a própria vida.
    Adri.

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  3. Adri.
    Lindos textos, de um toque profundo e inspirador a toda prova.
    O post das árvores é tão poético que nos aquece o coração! Seria muito bom se todos nós soubéssemos ser felizes com a designação divina para cada um, em vez de cobiçar o destino do outro, como muitos fazem!
    Beijos,
    Alba.

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  4. Oi, Albinha!
    Muito obrigada pela amizade e por ser minha leitora constante, até mesmo quando está viajando para a Capadócia ou Dubai. Espero ser digna das suas palavras e que continue a tê-la como leitora e amiga.
    Beijos,
    Adri.

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